terça-feira, 17 de julho de 2012

Ortodoxos X Heteredoxos


“Comparação de textos e ideias de dois economistas de linhas pensamentos diferentes”


INTRODUÇÃO
Este presente trabalho compara dois textos de economistas brasileiros sobre a crise na indústria nacional. Os textos escolhidos foram publicados no jornal “Valor Econômico”: “Os desafios da (re)industrialização” (3 de abril de 2012), de Luiz Gonzaga Belluzzo, e “O debate sobre a crise na indústria” (19 de março de 2012), de Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Os dois profissionais seguem linhas de pensamento diferentes e este trabalho vai mostrar como essas diferenças aparecem nos textos analisados. Uma das grandes classificações econômicas é a ortodoxia, ou “mainstream economics”, que se caracteriza por uma abordagem das expectativas racionais da macroeconomia e se desenvolveu a partir da economia neoclássica em fins do século XIX, caracterizada principalmente por determinar preços, produção e distribuição resultantes da interação da oferta e demanda dos mercados. A ortodoxia é comumente ligada ao Consenso de Washington, ao monetarismo e à escola de Chicago. Seus adeptos hoje são mais conhecidos como neoclássicos e neokeynesianos.
 Já a heteredoxia não concorda com as expectativas racionais da macroeconomia e considera mais importante os conceitos de instituições, história e estrutura social. Todos os tipos de socialismo são considerados heterodoxos, mas nem todas as escolas heterodoxas são socialistas. Os heterodoxos aceitam a intervenção do Estado, enquanto que os ortodoxos acreditam em maior número no livre equilíbrio entre oferta e demanda. Os seguidores mais comuns da heteredoxia hoje são os marxistas e pós-keynesianos.

PERFIS
Luiz Gonzaga Belluzzo é um economista heteredoxo. É ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo Sarney), professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e tem formações em Direito (USP), Ciências Sociais (USP), pós-graduação em desenvolvimento econômico, promovido pela CEPAL/ILPES, e doutorado em economia pela Unicamp. Em 2001, foi incluído no Biographical Dictionary of Dissenting Economists entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX.
Luiz Carlos Mendonça de Barros é um economista ortodoxo. É graduado pela USP em engenharia de produção e doutor em economia pela Unicamp. É ex-presidente do BNDES (novembro de 1995 a abril de 1998) e ex-ministro das Comunicações (abril de 1998 a novembro de 1998) no governo Fernando Henrique Cardoso. É diretor-estrategista da Quest Investimentos.

DESCRIÇÃO E ANÁLISE
è Texto de Luiz Gonzaga Belluzzo
As idéias expostas por Belluzzo fazem uma grande crítica aos adeptos da não intervenção do Estado na economia e também aos efeitos da liberalização. Já no primeiro parágrafo ele afirma que as “políticas industriais e de fomento coordenadas pelo Estado foram lançadas no rol dos pecados sem remissão” nos anos 1980 e cita dois políticos extremamente criticados pelos heteredoxos como defensores dessa postura, o 40º presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e a ex-primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher.
No Brasil, o autor afirma que a crise da dívida externa favoreceu a adoção de políticas liberais, as quais criaram um “desconforto com o reconhecimento dos direitos sociais e econômicos consagrado na Constituição Cidadã de 1988”. E também aponta que o Estado estava “financeiramente prostado” com uma crise fiscal e monetária e por causa dos programas impostos pelo FMI.
Prosseguindo no tempo, Belluzzo fala do receituário implantado pelos “reformistas liberais” após a “bem-sucedida estabilização de 1994”, como abertura comercial, privatizações e liberalização cambial. Para o autor, isso destruiu o “setor produtivo estatal”, área que seria muito necessária num “país periférico e de industrialização tardia”. Ele escreve também que as privatizações causaram a diminuição do investimento em infraestrutura.
Ao falar do presente o autor aponta que os problemas das importações predatórias, do “real forte” e da estagnação de investimentos “só serão reparadas com o aumento dos gastos na formação da nova capacidade, sobretudo setores novos e intensivos em tecnologia”. Belluzzo chega a citar que será necessário o “animal spirits” dos empresários, famosa expressão usada por John Maynard Keynes para falar das emoções que influenciam o comportamento humano. O autor também defende uma centralização do capital em empresas com escala, elevação dos gastos do Estado, estímulo a criação de bancos com crédito de longo prazo e a constituição de um fundo soberano com os recursos do pré-sal para criar poupança de longuíssimo prazo.

è Texto de Luiz Carlos Mendonça de Barros
O texto faz uma crítica às “medidas pontuais” adotadas pelo governo federal para tentar sanar a crise na indústria brasileira, como a aceleração dos cortes de juros e ações para tentar brecar a entrada de capitais financeiros. Barros afirma que “a presidente ameaçou o mercado com uma medida provisória a cada dia para estancar a especulação cambial”.
Para o autor as causas da crise da indústria são outras. Ele cita motivos estruturais ligados a intervenção do Estado, como a “absurda carga de tributos – federais e estaduais – que onera o custo da energia elétrica para a indústria”. Barros sustenta também que o Brasil tem hoje uma economia de mercado organizada que responde naturalmente a mudanças estruturais causadas por novas condições internas e externas (maior competição externa, por exemplo), desse modo ele rechaça a “tentativa artificial” do governo de praticar intervenções na economia, pois podem “gerar tensões e, no longo prazo, distorções perigosas em vários mercados”.
Dois setores nacionais com eficiência e produtividade estariam sendo prejudicados pela intervenção do governo, a agricultura e o mineral, segundo Barros. Ele descreve em detalhes o problema da agricultura: para se livrar da “dependência” do crédito do Banco do Brasil o setor passou a usar uma modalidade de crédito externa chamada de antecipação de pagamentos por conta das exportações futuras, possível graças à confiança na agricultura brasileira e no real, mas esse mecanismo foi prejudicado pela “cruzada contra a valorização especulativa do real” com a imposição de um IOF de 6% na entrada destes recursos. Desse modo, os produtores brasileiros estariam perdendo a oportunidade de desfrutar dos juros baixos dos mercados internacionais de crédito.

è Análise
Há uma dicotomia básica nos textos entre o Estado intervir ou não na economia para ajudar a indústria nacional. Belluzzo defende que a liberalização retirou muitos incentivos e investimentos para a indústria. Já Barros afirma que os problemas da indústria são estruturais, justamente pela mão do Estado, e que, além disso, as medidas do governo causam desequilíbrios no mercado.
Nessas ideias aparecem argumentos históricos da heteredoxia e ortodoxia. Por um lado há a defesa de um Estado orientador e organizador da economia e por outro um Estado com participação discreta, que deixa os agentes do mercado equilibrarem as forças da economia.
E esse tema da desindustrialização, dependendo da visão, comporta tanto a explicação de motivo a competição externa e o real valorizado como o chamado Custo Brasil (burocracia, carga tributária, falta de infraestrutura etc.). Os dois lados têm bons argumentos, mas deve-se tomar cuidado com os usos políticos dessas visões na cobertura jornalística e procurar sempre dar espaço às diferentes visões.

LOCALIZAÇÃO DOS ARTIGOS