“Comparação
de textos e ideias de dois economistas de linhas pensamentos diferentes”
INTRODUÇÃO
Este
presente trabalho compara dois textos de economistas brasileiros sobre a crise
na indústria nacional. Os textos escolhidos foram publicados no jornal “Valor
Econômico”: “Os desafios da (re)industrialização” (3 de abril de 2012), de Luiz
Gonzaga Belluzzo, e “O debate sobre a crise na indústria” (19 de março de 2012),
de Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Os
dois profissionais seguem linhas de pensamento diferentes e este trabalho vai
mostrar como essas diferenças aparecem nos textos analisados. Uma das grandes
classificações econômicas é a ortodoxia, ou “mainstream economics”, que se
caracteriza por uma abordagem das expectativas racionais da macroeconomia e se
desenvolveu a partir da economia neoclássica em fins do século XIX,
caracterizada principalmente por determinar preços, produção e distribuição
resultantes da interação da oferta e demanda dos mercados. A ortodoxia é
comumente ligada ao Consenso de Washington, ao monetarismo e à escola de
Chicago. Seus adeptos hoje são mais conhecidos como neoclássicos e
neokeynesianos.
Já a heteredoxia não concorda com as
expectativas racionais da macroeconomia e considera mais importante os conceitos
de instituições, história e estrutura social. Todos os tipos de socialismo são
considerados heterodoxos, mas nem todas as escolas heterodoxas são socialistas.
Os heterodoxos aceitam a intervenção do Estado, enquanto que os ortodoxos
acreditam em maior número no livre equilíbrio entre oferta e demanda. Os
seguidores mais comuns da heteredoxia hoje são os marxistas e pós-keynesianos.
PERFIS
Luiz
Gonzaga Belluzzo é um economista heteredoxo. É ex-secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda (governo Sarney), professor titular do
Instituto de Economia da Unicamp e tem formações em Direito (USP), Ciências
Sociais (USP), pós-graduação em desenvolvimento econômico, promovido pela
CEPAL/ILPES, e doutorado em economia pela Unicamp. Em 2001, foi incluído no
Biographical Dictionary of Dissenting Economists entre os 100 maiores
economistas heterodoxos do século XX.
Luiz
Carlos Mendonça de Barros é um economista ortodoxo. É graduado pela USP em
engenharia de produção e doutor em economia pela Unicamp. É ex-presidente
do BNDES (novembro
de 1995 a
abril de 1998)
e ex-ministro das Comunicações (abril de 1998 a novembro de 1998) no governo Fernando Henrique Cardoso. É diretor-estrategista
da Quest Investimentos.
DESCRIÇÃO
E ANÁLISE
è Texto
de Luiz Gonzaga Belluzzo
As
idéias expostas por Belluzzo fazem uma grande crítica aos adeptos da não
intervenção do Estado na economia e também aos efeitos da liberalização. Já no
primeiro parágrafo ele afirma que as “políticas industriais e de fomento
coordenadas pelo Estado foram lançadas no rol dos pecados sem remissão” nos
anos 1980 e cita dois políticos extremamente criticados pelos heteredoxos como
defensores dessa postura, o 40º presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e
a ex-primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher.
No
Brasil, o autor afirma que a crise da dívida externa favoreceu a adoção de
políticas liberais, as quais criaram um “desconforto com o reconhecimento dos
direitos sociais e econômicos consagrado na Constituição Cidadã de 1988”. E
também aponta que o Estado estava “financeiramente prostado” com uma crise
fiscal e monetária e por causa dos programas impostos pelo FMI.
Prosseguindo
no tempo, Belluzzo fala do receituário implantado pelos “reformistas liberais”
após a “bem-sucedida estabilização de 1994”, como abertura comercial, privatizações
e liberalização cambial. Para o autor, isso destruiu o “setor produtivo
estatal”, área que seria muito necessária num “país periférico e de
industrialização tardia”. Ele escreve também que as privatizações causaram a
diminuição do investimento em infraestrutura.
Ao
falar do presente o autor aponta que os problemas das importações predatórias,
do “real forte” e da estagnação de investimentos “só serão reparadas com o
aumento dos gastos na formação da nova capacidade, sobretudo setores novos e
intensivos em tecnologia”. Belluzzo chega a citar que será necessário o “animal
spirits” dos empresários, famosa expressão usada por John Maynard Keynes para
falar das emoções que influenciam o comportamento humano. O autor também
defende uma centralização do capital em empresas com escala, elevação dos
gastos do Estado, estímulo a criação de bancos com crédito de longo prazo e a
constituição de um fundo soberano com os recursos do pré-sal para criar
poupança de longuíssimo prazo.
è Texto
de Luiz Carlos Mendonça de Barros
O
texto faz uma crítica às “medidas pontuais” adotadas pelo governo federal para
tentar sanar a crise na indústria brasileira, como a aceleração dos cortes de
juros e ações para tentar brecar a entrada de capitais financeiros. Barros
afirma que “a presidente ameaçou o mercado com uma medida provisória a cada dia
para estancar a especulação cambial”.
Para
o autor as causas da crise da indústria são outras. Ele cita motivos estruturais
ligados a intervenção do Estado, como a “absurda carga de tributos – federais e
estaduais – que onera o custo da energia elétrica para a indústria”. Barros
sustenta também que o Brasil tem hoje uma economia de mercado organizada que
responde naturalmente a mudanças estruturais causadas por novas condições
internas e externas (maior competição externa, por exemplo), desse modo ele
rechaça a “tentativa artificial” do governo de praticar intervenções na
economia, pois podem “gerar tensões e, no longo prazo, distorções perigosas em
vários mercados”.
Dois
setores nacionais com eficiência e produtividade estariam sendo prejudicados
pela intervenção do governo, a agricultura e o mineral, segundo Barros. Ele
descreve em detalhes o problema da agricultura: para se livrar da “dependência”
do crédito do Banco do Brasil o setor passou a usar uma modalidade de crédito
externa chamada de antecipação de pagamentos por conta das exportações futuras,
possível graças à confiança na agricultura brasileira e no real, mas esse
mecanismo foi prejudicado pela “cruzada contra a valorização especulativa do
real” com a imposição de um IOF de 6% na entrada destes recursos. Desse modo,
os produtores brasileiros estariam perdendo a oportunidade de desfrutar dos
juros baixos dos mercados internacionais de crédito.
è Análise
Há
uma dicotomia básica nos textos entre o Estado intervir ou não na economia para
ajudar a indústria nacional. Belluzzo defende que a liberalização retirou
muitos incentivos e investimentos para a indústria. Já Barros afirma que os
problemas da indústria são estruturais, justamente pela mão do Estado, e que,
além disso, as medidas do governo causam desequilíbrios no mercado.
Nessas
ideias aparecem argumentos históricos da heteredoxia e ortodoxia. Por um lado
há a defesa de um Estado orientador e organizador da economia e por outro um
Estado com participação discreta, que deixa os agentes do mercado equilibrarem
as forças da economia.
E
esse tema da desindustrialização, dependendo da visão, comporta tanto a explicação
de motivo a competição externa e o real valorizado como o chamado Custo Brasil
(burocracia, carga tributária, falta de infraestrutura etc.). Os dois lados têm
bons argumentos, mas deve-se tomar cuidado com os usos políticos dessas visões
na cobertura jornalística e procurar sempre dar espaço às diferentes visões.
LOCALIZAÇÃO
DOS ARTIGOS
Os desafios da
(re)industrialização: http://www.valor.com.br/opiniao/2599172/os-desafios-da-reindustrializacao
O debate sobre a crise
na indústria: http://www.valor.com.br/opiniao/2575708/o-debate-sobre-crise-na-industria