quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O corte do Orçamento de 2011 – sem prioridades e sem transparência



INTRODUÇÃO
Este presente trabalho analisa resultados do corte do Orçamento do governo federal de 2011. Foi anunciado um corte recorde de R$ 50 bilhões no orçamento federal de 2011, o equivalente a 1,2% do PIB.

PROBLEMA
É feito uma análise do corte do Orçamento do governo federal de 2011 até o mês de abril, que mostra seu contexto, objetivos, resultados parciais e situação recente do tema no país.
Pretende-se discutir se os cortes são mesmo realizados até o final dos anos marcados, em que áreas principalmente são feitos e o contexto político que os envolvem.

DESCRIÇÃO
 O Corte de 2011
No dia 9 de fevereiro de 2011, o governo federal anunciou um corte recorde de R$ 50 bilhões no orçamento federal de 2011, o equivalente a 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto).
O corte foi detalhado pelos ministros no dia 28 de fevereiro. Do corte total de R$ 50 bilhões, R$ 15,8 bilhões se darão em despesas obrigatórias.
As razões apontadas para aparente corte tão grande foram:
1) Porque o Congresso Nacional inflou as receitas, e consequentemente as despesas, em mais de R$ 20 bilhões na peça orçamentária de 2011. A relatora do orçamento federal, senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), divulgou no final do ano passado relatório que informa elevar em R$ 22,4 bilhões a previsão de receita líquida da peça orçamentária deste ano.
O relatório da senadora prevê, também, um aumento de cerca de R$ 200 milhões nas despesas com pessoal e encargos sociais, de cerca de R$ 8,1 bilhões nas “outras despesas correntes” (custeio, previdência e transferências constitucionais e legais), além de mais R$ 12,1 bilhões nos gastos com investimentos.
Segundo ela, a previsão de investimentos subiu em virtude das “emendas parlamentares apresentadas durante a tramitação da proposta no âmbito do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social”.
A previsão de receitas totais dos orçamentos fiscal e de seguridade social subiu de R$ 1,262 trilhão, na proposta encaminhada pelo Ministério do Planejamento ao Congresso Nacional em meados de 2010, para R$ 1,287 trilhão no relatório da senadora. A estimativa de despesas subiu em igual proporção, visto que os números são iguais aos da previsão de receitas. Ambos cresceram cerca de R$ 25 bilhões.

2) porque o governo federal decidiu cortar os estímulos dados à economia no período de crise financeira mundial. Assim declarou o ministro Guido Mantega no dia 9 de fevereiro:
“Estamos revertendo todos os estímulos que fizemos para a economia brasileira entre 2009 e 2010 por conta da crise financeira internacional. Nos últimos anos, o governo fez desonerações, concedeu subsídios e aumentou seus gastos. Isso foi muito bem sucedido, pois o país saiu rapidamente da crise. Hoje, está com a economia crescendo, com demanda forte. E já estamos retirando esses incentivos”, declarou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Os objetivos posteriores pretendidos com o corte no orçamento são permitir a queda da taxa de juros e combater as pressões inflacionárias. “Quando for o momento, não agora com a inflação neste patamar, mas quando for oportuno, o BC fará a redução de juros. A consolidação não é o tradicional ajuste fiscal que derruba a economia e que leva a uma retração do investimento e do emprego”, ressaltou Mantega.

 Histórico recente de cortes
Antes de 2011, o maior bloqueio anunciado no orçamento federal havia ocorrido no início de 2010, quando R$ 21,8 bilhões (0,63% do PIB no início daquele ano) foram contingenciados. No decorrer do ano passado, o governo cortou mais R$ 10 bilhões em gastos no orçamento, mas, no decorrer do ano, liberou boa parte dos valores bloqueados (cerca de R$ 23 bilhões).
Na proporção com o PIB, o maior corte aconteceu em 2003, quando foram contingenciados R$ 14,3 bilhões, ou 0,91% do PIB estimado no início do ano. Naquele momento, o novo governo, do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu sob forte desconfiança dos mercados e elevou o superávit primário para mandar um sinal positivo aos economistas.
Para 2011, o ministro Mantega já anunciou que a intenção do governo é de não reverter os cortes anunciados. Entretanto, não assegurou que os cortes não serão revertidos. "A nossa intenção é manter até o fim do ano, mas nada impede que haja alguma mudança pontual nesse quadro, mesmo porque, a cada bimestre temos de rever a arrecadação, como está indo a despesa. É diferente de outros anos quando você contingenciava e depois devolvia os recursos. Será mais drástico neste ano [o ajuste fiscal]", disse o ministro.

 Detalhamento do corte de 2011
No dia 28 de fevereiro os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) detalharam o corte de R$ 50 bilhões.
Os maiores cortes ficaram nos ministérios de Cidades, Defesa e Turismo.
Ao todo, o corte deve chegar a R$ 50,087 bilhões. As despesas obrigatórias serão reduzidas em R$ 15,76 bilhões, enquanto as despesas discricionárias cairão R$ 36,2 bilhões.
As previsões de despesas com os créditos extraordinários foram elevadas para R$ 3,5 bilhões neste ano. Já as estimativas para receita foram reduzidas para R$ 18,08 bilhões.
“Essa redução de despesas e mais as outras medidas que o governo está tomando, como a fixação do salário mínimo em R$ 545, o aumento da taxa de juros e as medidas prudenciais, não significam uma mudança da política econômica do governo”, disse Mantega, no início do anúncio.
Segundo o ministro da Fazenda, a política econômica está “apenas na sendo adaptada aos novos tempos que estamos vivendo”. “Não viramos ortodoxos”, disse.
De acordo com Miriam Belchior, o corte nas despesas discricionárias garantirá a preservação do investimento e dos principais programas sociais. Ela disse que, em termos percentuais, os maiores cortes estão nos ministérios de Turismo e Esportes. Em valores nominais, no entanto, os ministérios de Cidades (R$ 8,5 bilhões), Defesa (R$ 4,3 bilhões) e Turismo (R$ 3 bilhões) terão as maiores perdas.
Belchior disse que o corte de R$ 8,5 bilhões no Orçamento do Ministério das Cidades é “uma redução grande”. “Deve-se, fundamentalmente, a emendas e a um ajuste no programa 'Minha Casa, Minha Vida', porque o Congresso ainda não aprovou o projeto que cria a segunda fase.” De acordo com a ministra, o programa contará com R$ 7,6 bilhões neste ano, um crescimento de R$ 1 bilhão frente ao observado em 2010.
“Estamos na trajetória correta, reduzindo as despesas públicas e retomando os patamares pré-crise, quando fazíamos um superávit confortável, que permitia a redução das dívidas”, completou Mantega.
Segundo os ministros, o corte não vai "derrubar" a economia brasileira, mas ajustá-la a um patamar de crescimento "sustentável", na faixa dos 5% ao ano.
"O crescimento do PIB deve ficar em torno de 7,5% em 2010, é uma aceleração excessiva para a economia brasileira. Então, estamos conduzindo a economia para um patamar mais sustentável, em torno de 5%. Crescer a 7,5% por um tempo longo pode criar gargalos, e gerar problemas inflacionários", explicou Mantega.
Apesar de afirmar que as despesas com os programas sociais e com os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) serão integralmente mantidos, o governo anunciou que o corte de despesas no Orçamento deste ano irá afetar fortemente o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.
Como dito acima, o programa terá uma contenção de mais de R$ 5 bilhões nos repasses do governo, o que representa 40% de corte, passará de R$ 12,7 bilhões para R$ 7,6 bilhões. A ministra espera que isso ocorra em abril.
"Ainda assim, o orçamento do programa para este ano está R$ 1 bilhão maior do que ocorreu no ano passado, quando houve a maior parte das contratações do Minha Casa", afirmou a ministra. "Não cortamos nenhum centavo dos investimentos do PAC nem dos gastos com programas sociais."
De acordo com a ministra, a redução de despesas com pessoal é referente às contratações em concursos públicos, que não serão feitas. Já os valores referentes ao abono salarial, às despesas previdenciárias e ao seguro-desemprego referem-se ao pente-fino contra fraudes.

 Resultado do corte em março de 2011
No dia 26 de abril de 2011, o Tesouro Nacional apresentou os resultados de março com a expectativa de já refletirem o corte do Orçamento. As contas do governo central (que inclui Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registraram superavit (economia de recursos para o pagamento dos juros da dívida) de R$ 9,1 bilhões em março. Esse resultado é maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando o resultado do governo central apresentou déficit de R$ 4,5 bilhões.
O gasto público mostrou o primeiro reflexo efetivo do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, contabilizando uma queda nominal de 17,9% em comparação a igual mês de 2010.
Em março, as contas do Tesouro, da Previdência e do Banco Central registraram um superávit de R$ 9,1 bilhão, levando o resultado acumulado do primeiro trimestre a R$ 25,8 bilhões. Com isso, o governo superou a meta prevista para o quadrimestre, de R$ 22,9 bilhões.
O comportamento da despesa foi determinante para essa performance. Enquanto no primeiro trimestre de 2010 o gasto público aumentou 19,3% em termos nominais frente a 2009, entre janeiro e março deste ano esse ritmo esfriou para 7,1%, também sem descontar a inflação.
O Tesouro Nacional, segundo o secretário Arno Augustin, fixou limites mensais de verbas para os ministérios e esses é que tiveram que fazer adequações e cortar despesas. A menor liberação de recursos provocou redução no ritmo de expansão dos gastos com transferências de benefícios, custeio, subsídios e com o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), entre outros. No primeiro trimestre, o gasto com pessoal teve crescimento de 3,6% sobre idêntico período do ano passado, um ritmo, portanto, inferior ao aumento de 7% registrado no primeiro trimestre de 2010 contra 2009.
Ao apresentar o resultado fiscal de março durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo está "cumprindo à risca o corte de despesa estabelecido no início do ano e cumprindo com folga as metas para o ano". Mantega antecipou que em abril a poupança fiscal do governo central será superior a de março. "Em abril, teremos superávit alto e devemos nos aproximar de quase 50% de toda a meta de primário de 2011", informou.
Em março, o Tesouro contribuiu para o resultado com um superávit de R$ 12,3 bilhões. Já a Previdência e o Banco Central tiveram déficit de, respectivamente, R$ 3,1 bilhões e R$ 10,7 milhões. A receita total de março foi de R$ 73,5 bilhões, enquanto as despesas somaram R$ 32,5 bilhões. No trimestre, a arrecadação totalizou R$ 231,390 bilhões e os gastos somaram R$ 163,6 bilhões.
O secretário do Tesouro lembrou que, diferente do ano passado, quando a economia precisava de estímulos para crescer, a política fiscal agora será no sentido evitar pressões inflacionárias.
“Agora queremos equilibrar o crescimento econômico no que achamos melhor para o Brasil. Há uma contribuição do fiscal neste período para termos um crescimento equilibrado para que não haja pressão inflacionária”, declarou.

 Resultado do corte em abril de 2011
No dia 26 de maio de 2011 foram apresentados os resultados de abril. O governo central cumpriu mais da metade da meta anual de superávit primário de R$ 81,7 bilhões nos quatro primeiros meses do ano. Com a economia de R$ 15,6 bilhões em abril, o governo contabilizou superávit primário de R$ 41,5 bilhões até abril, enquanto a meta para esse período era de apenas R$ 22,9 bilhões. Somente em abril, o superávit primário do Governo Central foi de R$ 15,6 bilhões, o que representa um crescimento de 71,4% em relação ao mesmo mês no ano passado.
Entre janeiro e abril, a receita líquida totalizou R$ 264,5 bilhões, com alta real de 3,5% sobre a expansão nominal da economia. Em proporção ao PIB, a participação das receitas atingiu 16%.
A despesa somou R$ 222,9 bilhões. Em proporção ao PIB, a participação da despesa ficou em 9,7%, percentual inferior aos 18,4% registrados em 2010. A meta de superávit primário de todo o setor público é de R$ 117,9 bilhões para este ano, sendo R$ 81,7 bilhões do governo central e R$ 36,16 bilhões de responsabilidade de Estados e municípios.
O secretário do Tesouro, Arno Augustin, ressaltou que o objetivo do governo Dilma Rousseff não é fazer excesso de superávit. “Não estamos trabalhando com mudança de meta”, enfatizou. “Se Estados, municípios e estatais tiverem déficit, ou superávit menor que o previsto, o governo central compensará para que a meta consolidada do setor público seja cumprida”, assegurou o secretário.
Na apresentação do governo chamaram a atenção informações sobre queda do investimento público, tendência a partir de agora de superávits mensais menores, aumento de algumas despesas e arrecadação em alta.
1 - Investimento público - a expansão do investimento público nos quatro primeiros meses de 2011, comparada a 2010, baixou substancialmente. Em janeiro de 2011 frente a janeiro de 2010, o aumento do investimento foi de 85%. Baixou para 25% em fevereiro diante do mesmo mês do ano passado. Foi decrescendo progressivamente de forma que na comparação do quadrimestre deste ano em relação a igual período de 2010, o crescimento foi de apenas 5%. Quando o governo anunciou o contingenciamento de R$ 50 bilhões nos gastos deste ano, havia dito que o investimento não seria afetado.
Ao comentar a queda no ritmo de crescimento do investimento, Augustin disse que o investimento reagirá nos próximos meses. “As despesas de investimentos variam muito de um mês para o outro. Não há problema maior nisso, é normal que em alguns meses o investimento seja menor. Nossa previsão para o ano é de crescimento significativo, acima do PIB nominal”, estimou o secretário.
2 – Superávits menores - O Tesouro Nacional também divulgou que espera a partir de agora, superávits mensais menores do que os produzidos até abril. “Trabalhamos no primeiro trimestre com a necessidade forte de fazer um superávit fiscal bastante intenso, em função do ritmo da economia”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin.
Os gastos foram contidos para ajudar a moderar a atividade econômica, que estava pressionando a inflação. Agora, com a economia girando a um ritmo mais baixo, o quadro é diferente. “Ao longo do ano, teremos crescimento do investimento”, garantiu o secretário. “Os superávits tendem a ser menores do que no início do ano.”
3- Aumento de despesas – O gasto público teve queda real de 2,1% em comparação ao PIB nominal. Desembolsos com subsídios, benefícios assistenciais, investimentos e com o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalho) registraram retração real em relação ao PIB nominal. Mas entre as despesas que aumentaram constam os gastos com pessoal, que demandaram R$ 59,4 bilhões nos quatro primeiros meses ante R$ 53,5 bilhões em idêntico período de 2010. Entre as despesas que mais subiram estão aquelas com pessoal (11%) e custeio (10,4%).
4 – Arrecadação alta - Os quatro primeiros meses foram favorecidos por uma arrecadação tributária alta, resultado do crescimento dinâmico entre o fim de 2010 e início de 2011 e, também, pelo recolhimento do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esses dois tributos incidentes sobre o lucro das empresas refletiram os balanços positivos do ano passado. Também merece destaque a boa arrecadação de tributos influenciados pela massa salarial, a exemplo da contribuição previdenciária e do Imposto de Renda sobre Rendimentos do Trabalho. No acumulado do ano, as receitas do Governo Central somaram R$ 264,5 bilhões e cresceram 16% em relação a 2010.

 Análise do BC do quadrimestre
No dia 31 de maio de 2011, o Banco Central divulgou dados de todo o superávit primário até abril (governo central, Estados e cidades). O setor público já cumpriu 49% da meta de superávit primário fixada para o ano, de R$ 117,8 bilhões. A economia feita pelo governo central, Estados e municípios antes do pagamento de juros somou R$ 57,3 bilhões até abril, valor 45% superior ao resultado do mesmo período de 2010. É o maior resultado para o primeiro quadrimestre do ano desde 2008, segundo dados divulgados pelo BC.
O saldo foi obtido mesmo com a queda de 11% do superávit primário em abril, se comparado ao mesmo mês de 2010, para R$ 18,053 bilhões - sendo R$ 15,220 bilhões do governo central e R$ 2,624 bilhões de Estados e municípios. De acordo com o BC, abril é um mês sazonalmente positivo por causa do aumento da arrecadação com o pagamento do Imposto de Renda.
Nos últimos dois anos, o setor público registrou, até abril, um superávit equivalente a menos de 40% da meta total (35% em 2010 e 39% em 2009). Antes da crise, no entanto, o país vinha sistematicamente economizando mais no primeiro quadrimestre do ano. O resultado em 2008 foi de 68% da meta até abril. Em 2007 havia sido de 60% e, em 2006, de 50% da meta.


ANÁLISE
 Análises sobre o conceito de Orçamento e seus usos
O orçamento público é uma das bases para a organização do Estado. Por meio dele são controladas as despesas e previstas as receitas. Como aponta Abrucio e Loureiro (2004):

“O orçamento é um instrumento fundamental de governo, seu principal documento de políticas públicas. Através dele, os governantes selecionam prioridades, decidindo como gastar os recursos extraídos da sociedade e como distribuí-los entre diferentes grupos sociais, conforme seu peso ou força política.” (p. 89)

Os autores apontam em relação ao sistema orçamentário brasileiro que ele se caracteriza por ter a concentração do poder decisório nas mãos do Executivo, particularmente no momento de sua execução, e pela pouca transparência do processo.
Todavia Abrucio e Loureiro (2004) também ressaltam que o sistema orçamentário brasileiro após a Constituição de 1988 já conta com melhores instrumentos de organização, como o PPA (Plano Plurianual), LDO (Leis de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei Orçamentária Anual), que permitem em tese uma participação maior do Legislativo.
Na prática essa participação ainda é reduzida e o controle do Orçamento fica quase todo nas mãos do Executivo, inclusive servindo para “jogos políticos” devido a seu alto poder de contingenciamento. Os autores também reconhecem o “pouco interesse” do Legislativo:

“O fato é que a capacidade do Poder Legislativo de tomar decisões no processo orçamentário e impô-las ao Executivo é limitada e está sujeita a negociações (às vezes individuais) para a liberação das emendas aprovadas. (...) Como o orçamento tem caráter apenas autorizativo e não impõe obrigatoriedade de executar as verbas aprovadas pelo Legislativo, cabe ao Executivo tomar decisões sobre o momento de liberação das verbas e o percentual a ser executado, o qual não pode atingir o limite total autorizado pelo Congresso. O contingenciamento dos recursos orçamentários, permitido pelo caráter autorizativo da peça aprovada pelos congressistas, representa enorme insulamento de decisões centrais de políticas públicas nas mãos da burocracia, limitando consideravelmente a responsabilização do poder público.
Como decorrência dessas características, o próprio processo de planejamento orçamentário fica comprometido, revelando uma enorme distância entre as regras e a realidade efetiva do jogo político no orçamento. O pouco interesse dos parlamentares na apreciação do PPA e da LDO, indicado pelo baixo número de emendas apresentadas nessa etapa, é revelador do esvaziamento dessas funções.” (págs. 92 e 93)

Analisando o sistema orçamentário brasileiro, Vignoli (2004) mostra também que ele poderia e deveria ser usado com o contingenciamento ou mais destinação de verbas durante um ano fiscal de uma forma natural, desde que mantivesse prioridades estabelecidas antes:

“Em complemento, é importante frisar que o Orçamento não se constitui uma ‘camisa de força’ que engessa a execução orçamentária. Ele pode e deve ser alterado ao longo de sua execução, sempre que a situação assim o exigir. Tais alterações podem ser necessárias em função de mudanças da conjuntura econômica que exijam uma adequação dos gastos ao novo nível de arrecadação, ou ainda, em função de incorreções no orçamento (falhas de programação). (...) Nesse sentido, somente o efetivo acompanhamento e, principalmente, a adequada avaliação da execução orçamentária é que poderão determinar o replanejamento, o qual deverá, preferencialmente, guardar estreita relação com as prioridades estabelecidas anteriormente.” (p. 379)

Arvate (2004) fez também um estudo interessante sobre como o processo orçamentário influencia o resultado fiscal. Ele apresenta pesquisas mundiais sobre o tema que analisam países organizados dessa maneira:
1 – Com controle da expansão do governo a partir do orçamento;
2 – Com controle a partir do Legislativo;
3 – Com controle orçamentário sobre os ministros “gastadores – não o da Fazenda ou o primeiro-ministro, no caso do Parlamento – antes que submetam seus gastos ao governo como um todo;
4 – Com subordinação ao primeiro-ministro ou ministro das Finanças, comitês etc. dos demais ministros antes de realizarem os gastos – hierarquia nos gastos.
Ele aponta que os resultados de análises de 19 países da OECD de 1974 a 1995 mostraram benefícios, ainda que pequenos, da hierarquia e transparência no trato com os orçamentos e que no Brasil ainda não há dados ou pesquisas abrangentes sobre esses controles:

“Quanto mais hierarquizado/transparente, ou uma combinação deles, for o governo, mais controle existiria sobre o resultado fiscal. O que lamenta apenas é que o resultado das variáveis nunca tenha sido significante. (...) Infelizmente, no Brasil, não possuímos nada semelhante aos trabalhos apresentados para podermos incluí-los na nossa regressão.” (p. 144)

 Política econômica e gastos orçamentários recentes
Neste ano de 2011 começou o governo da presidente Dilma Rousseff. Ela foi a candidata do ex-presidente que a sucedeu, Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma foi também ex-ministra das Minas e Energia e da Casa Civil do governo Lula e manteve no governo federal nomes fortes da política econômica, como Guido Mantega, ministro da Fazenda, e Miriam Belchior, atual ministra do Planejamento e que no governo Lula foi gestora do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) dentro da Casa Civil.
Por essa razão vale citar alguns fatos econômicos do governo Lula que envolveram a política orçamentária. Em linhas gerais foi mantida a política ortodoxa do presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso. A política monetária durante o primeiro mandato de Lula foi conduzida por Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco de Boston no Brasil e presidente mundial do BankBoston; ele tinha sido eleito deputado federal pelo PSDB e renunciou para assumir a presidência do Banco Central. Essa política teve o decidido apoio do então ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho, que deixou o cargo em 2006 após um escândalo político.
NAKATANI e OLIVEIRA (2010) apontam que no primeiro mandato de Lula a taxa real de juros do país foi mantida como a mais alta do mundo, mesmo com críticas de impactos negativos como o aumento do endividamento interno. Seguiu-se a isso o aperto nos gastos em 2003:

“Alheio a esses argumentos e convertido ao credo ortodoxo, o governo Lula ainda propôs ao FMI um aumento superávit primário de 3,75% do PIB para 4,25%, sem que nenhuma exigência do Fundo tenha sido feita para tal medida, e realizou, em seus dois primeiros anos de governo, um superávit fiscal efetivo superior ao prometido. Para tanto, cortou sistematicamente recursos de custeio e investimento, agravando ainda mais as precárias condições de infraestrutura do Brasil. Contudo, o argumento de que essa elevação do superávit conduziria à expressiva redução da dívida, com o País melhorando as condições de promover reduções nos juros, não se comprovou.” (págs. 40 e 41)

Os superávits continuaram grandes em 2004 (4,18% do PIB), 2005 (4,35%) e 2006 (3,88%). No segundo mandato de Lula (2007-2010) os autores apontam que houve uma “flexibilização da política fiscal” para acomodar no orçamento maiores recursos públicos contemplados no PAC.
Mesmo assim Ferreira (2010) lembra que a partir da década de 1990 a política econômica no Brasil segue basicamente a mesma toada da defesa dos ajustes fiscais, “colocando como meta a consecução de um equilíbrio fiscal que permitiria, no médio prazo, uma eliminação do déficit público”, tido pelos governos recentes como representante da “ineficiência alocativa por parte do governo”.

 Análise dos resultados de 2011
Os números apresentados pelo Tesouro Nacional mostram que o corte de R$ 50 bilhões está sendo executado realmente. O governo central cumpriu mais da metade da meta anual de superávit primário de R$ 81,7 bilhões nos quatro primeiros meses do ano. Com a economia de R$ 15,6 bilhões em abril, o governo contabilizou superávit primário de R$ 41,5 bilhões até abril, enquanto a meta para esse período era de apenas R$ 22,9 bilhões.
Mas cabe aqui lembrar que quem faz a meta é a própria equipe econômica, ou seja, naturalmente não seria um número impossível de ser atingido. No quadrimestre, houve um crescimento de R$ 14,8 bilhões (35,1%) no superávit do Tesouro Nacional
Entretanto, existiram despesas que aumentaram como os gastos com pessoal, que demandaram R$ 59,4 bilhões nos quatro primeiros meses ante R$ 53,5 bilhões em idêntico período de 2010. Entre as despesas que mais subiram estão aquelas com pessoal (11%) e custeio (10,4%). No primeiro quadrimestre de 2010 foram gastos R$ 69,6 bilhões e no primeiro quadrimestre deste ano R$ 75,2 bilhões de custeio e capital. São os tipos de gastos que recebem muitas críticas de economistas, por representarem um Estado inchado, pouco eficiente e mais propício a ter usos políticos.
E a expansão do investimento público, que normalmente é bem visto, nos quatro primeiros meses de 2011, comparada a 2010, baixou substancialmente. Foi decrescendo progressivamente de forma que na comparação do quadrimestre deste ano em relação à igual período de 2010, o crescimento foi de apenas 5%. O motivo apresentado foi o combate à inflação neste ano.
Há uma corrente de economistas que também critica o uso das verbas do Tesouro Nacional para fins que prejudicariam o cumprimento do Orçamento. O economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Mansueto Almeida divulgou alguns levantamentos na mídia neste ano em que questiona o dinheiro do Tesouro para o BNDES. Segundo ele, até o final de 2011 o estoque de crédito do governo ao BNDES alcançará R$ 315 bilhões, sendo que cinco anos atrás era inferior a R$ 10 bilhões.
A crítica de Mansueto é que para fortalecer o BNDES o Tesouro emitiu títulos pelos quais paga a taxa de mercado, mas esse dinheiro é emprestado pelo BNDES pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), bem mais baixa e atualmente em 6% ao ano. Essa diferença entre taxas de juros é bancada pelos cofres federais, num subsídio cujo valor é desconhecido.


CONCLUSÕES
Até este período do ano de 2011 e com base em experiências recentes, a impressão que se tem é que o uso do Orçamento federal no Brasil tem várias falhas.
O contingenciamento costuma não ser obedecido e o Executivo faz disso um uso político, principalmente em anos eleitorais. Em relação a esse primeiro quadrimestre o governo federal já admitiu que a tendência a partir de agora será de superávits mensais menores. A arrecadação em alta e a inflação em viés de baixa (no boletim Focus o mercado vem prevendo uma inflação menor neste ano, 6,22% na previsão no início de junho) são as justificativas. Isso denota a linha desenvolvimentista do governo.
Segundo o ministro da Fazenda, a política econômica está “apenas na sendo adaptada aos novos tempos que estamos vivendo”. “Não viramos ortodoxos”, disse ele. Aí poder-se-ia pensar que há um lado positivo - o governo voltará a gastar com investimentos, que no começo deste ano foram baixos. Sem dúvida é bom, porém, a outra promessa do governo além de derrubar a inflação, derrubar os juros, certamente ficará comprometida com a volta dos gastos em investimentos, já que a dívida pública será pouco abatida. E onde deveria se cortar, gastos com pessoal e custeio, continuam subindo, provável sinal de falta de gestão adequada e uso político.
No Brasil recente os “anúncios de cortes” no Orçamento e superávits também têm um valor intangível. É a construção da confiança. O governo precisa sinalizar ao mercado financeiro que não é gastador. Porém, o mesmo alarde do “anúncio do corte” na mídia e entre economistas e mercado não é igual ao longo do ano no acompanhamento desse corte. Como este presente trabalho mostra “não há dados ou pesquisas abrangentes sobre esses controles” orçamentários no Brasil ainda.
No início de março, o governo editou também uma medida provisória que permitia o repasse de R$ 55 bilhões ao BNDES. Esse acompanhamento de gastos do Tesouro com o BNDES e seus reflexos no Orçamento ainda é pouco divulgado ou carece de mais dados. A impressão é que o Orçamento federal tem poucas prioridades (ou muitas e, desse modo, nenhuma) e é pouco transparente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRUCIO, Fernando Luiz e LOUREIRO,Maria Rita. Finanças públicas, democracia e accountability. In: Economia do Setor Público no Brasil, BIDERMAN, Ciro e ARVATE, Paulo, orgs. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.

ARVATE, Paulo. Instituições e resultados fiscais do governo federal brasileiro. In: Economia do Setor Público no Brasil, BIDERMAN, Ciro e ARVATE, Paulo, orgs. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.

FERREIRA, Mariana Ribeiro Jansen. Financeirização: impacto nas prioridades de gasto do Estado – 1990 a 2007. In: O Brasil sob a nova ordem, MARQUES, Rosa Maria e FERREIRA, Mariana Ribeiro Jansen, orgs. São Paulo, Saraiva, 2010.

NAKATANI, Paulo e OLIVEIRA, Fabrício Augusto. Política econômica brasileira de Collor a Lula: 1990-2007. In: O Brasil sob a nova ordem, MARQUES, Rosa Maria e FERREIRA, Mariana Ribeiro Jansen, orgs. São Paulo, Saraiva, 2010.

VIGNOLI, Francisco Humberto. Legislação e execução orçamentária. In: Economia do Setor Público no Brasil, BIDERMAN, Ciro e ARVATE, Paulo, orgs. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.

Site do Tesouro Nacional: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/resultado.asp

Noticiário econômico sobre o tema dos jornais “Folha de S.Paulo”, “Valor Econômico”, “O Estado de S.Paulo” e “O Correio Braziliense” e da revista “Exame”.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu vou te levar desse lugar

Escândalo midiático – Caso Erenice Guerra em 2010

                No ano de 2010, no mês de setembro, pouco antes do primeiro turno das eleições presidenciais, começaram a aparecer nos principais jornais e revistas de circulação nacional denúncias contra a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ex-assessora da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff. O caso teve muitas situações descritas na teoria social do escândalo de John B. Thompson, como os aparecimentos de negações e transgressões de segunda ordem.
                Esse trabalho primeiro vai explicar as denúncias contra Erenice Guerra, relatar as teorias de Thompson e associar esse caso brasileiro com as idéias do autor inglês.

Laços de família em Brasília
                Erenice Guerra foi o braço direito da hoje presidente eleita Dilma Rousseff durante o período em que esta foi ministra. Mas as duas se conheceram apenas em 2002, quando Dilma foi integrar o grupo de transição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na área de energia.
                Dilma havia sido Secretaria de Minas e Energia do governo gaúcho de Olívio Dutra e saído recentemente do PDT para o PT. Já Erenice integrava a equipe de advogados da liderança do PT na Câmara. As duas acabaram se conhecendo no núcleo de energia da transição de Lula porque Erenice tinha também um passado na Eletronorte.
                O presidente Lula acabou indicando Dilma para ministra das Minas e Energia e Dilma depois indicou Erenice para o cargo de consultora jurídica do ministério. As duas permaneceram quase oito anos trabalhando juntas. Quando Dilma foi para a Casa Civil em junho de 2005, Erenice foi junto como sua assessora.
                Dilma ficou nesse cargo até março de 2010, quando se desligou para a campanha à Presidência. Em seu lugar foi escolhida a então secretária-executiva do ministério: Erenice Guerra.
                Mas o período de Erenice como ministra foi curto, ela não resistiu às denúncias de tráfico de influência envolvendo ela e seus parentes.
O caso envolveu os três irmãos de Erenice: Maria Euriza Alves Carvalho, Antônio Eudacy Alves Carvalho e José Euricélio Carvalho, que tiveram cargos públicos federais comissionados, mas deixaram os postos em 2008, após o Supremo Tribunal Federal proibir oficialmente o nepotismo. Além disso, um dos filhos da ministra, Israel Guerra, também foi envolvido nas denúncias.
Uma das principais denúncias é de que Israel Guerra teria feito lobby para que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) liberasse a concessão dos vôos da MTA Linhas Aéreas, que fora suspensa. Mais tarde, a MTA fechou contrato de R$ 19,6 milhões com os Correios, sem licitação, para transporte de carga.
O lobby teria sido feito por meio da empresa Capital Assessoria e Consultoria, na qual são sócios, além de Israel, Vinicius Castro, funcionário da Casa Civil, e Stevan Knezevic, servidor da Anac, então lotado na Presidência. Em troca da intermediação, Israel cobraria uma “taxa de sucesso” (propina) de 6% sobre os contratos, e a própria Erenice teria cobrado o empresário Fábio Baracat, ex-sócio da MTA. A prática teria começado em 2009, ainda com Dilma na Casa Civil, mas supostamente sem o conhecimento da então ministra.
Depois, foi denunciado que como ministra Erenice passou a ter ingerência nos Correios, órgão que boa parte da mídia costuma associar com corrupção em seu alto escalão. O presidente dos Correios, David José de Matos, e a diretoria da estatal teriam aprovado um contrato superfaturado em R$ 2,8 milhões para favorecer outra empresa de carga aérea. A contratação, feita pela nova direção da estatal nomeada pela então ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, manobrou para ressuscitar, em agosto, uma licitação que havia sido cancelada três meses antes pelo comando demitido da estatal.
Os documentos obtidos e divulgados pelo jornal “O Estado de S.Paulo” mostram que a nova diretoria, empossada no dia 2 de agosto, entregou para a Total Linhas Aéreas um contrato de R$ 44,3 milhões. E concluiu o negócio em apenas duas semanas.
Os outros casos que a mídia noticiou envolveram fatos mais remotos ligados a Erenice e/ou seus parentes.  Por exemplo, Em 1997, Erenice Guerra teria usado um “laranja” para abrir a empresa de investigação particular Conservadora Asa Imperial em nome de seu filho Israel Guerra. A “laranja” seria a professora desempregada Geralda Amorim de Oliveira, que confirmou ter fornecido documentos para a abertura da empresa. Geralda Amorim de Oliveira é irmã de uma amiga antiga de Erenice.
Em outro caso, segundo uma auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União), José Euricélio de Carvalho seria responsável pelo desvio de R$ 5,8 milhões da editora da UnB (Universidade de Brasília). O desvio, parte de um esquema que teria deixado um prejuízo de R$ 10 milhões na editora, incluiria pagamentos para Carvalho e Israel Guerra.

Reações
                A onda de denúncias contra Erenice e seus parentes começou em 11 de setembro de 2010. A revista “Veja” revelou primeiro que o filho da ministra, Israel Guerra, integrava um esquema de lobby Anac/Correios com o objetivo de intermediar contratos e benefícios com o governo federal. Com isso, outras revistas e TV, rádio, jornais e internet passaram a repercutir as acusações e foram trazendo fatos novos dessas e outras investigações. Praticamente por um mês inteiro essas denúncias foram o principal alvo do noticiário.
Após as denúncias da “Veja”, Erenice colocou seus sigilos fiscal, bancário e telefônico e os de sua família à disposição das autoridades competentes, além de negar tudo.
“Sinto-me atacada em minha honra pessoal e ultrajada pelas mentiras publicadas sem a menor base em provas ou em sustentação na verdade dos fatos, cabendo-me tomar medidas judiciais para a reparação necessária. E assim o farei. Não permitirei que a revista 'Veja', contumaz no enxovalho da honra alheia, o faça comigo sem que seja acionada tanto por danos morais quanto para que me garanta o direito de resposta”, disse em nota.
Ela ainda lamentou que o processo eleitoral, “no qual a citada revista está envolvida da forma mais virulenta e menos ética possível, propicie esse tipo de comportamento e a utilização de expediente como esse, em que se publica ataque à honra alheia travestido de material jornalístico sem que se veicule a resposta dos ofendidos”.
E também se defendeu na nota chamando o candidato da oposição à Presidência José Serra de “candidato aético e já derrotado, em tentativa desesperada da criação de um 'fato novo' que anime aqueles a quem o povo brasileiro tem rejeitado”. Ou seja, ela chegou a afirmar que as denúncias na mídia eram orquestração da oposição.
A então ministra também pediu à Comissão de Ética Pública da Presidência da República a imediata instauração de procedimento para apurar a sua conduta em relação às acusações.
                Mas Erenice caiu rápido. No dia 16 de setembro, o jornal “Folha de S.Paulo” noticiou que uma empresa de Campina, EDRB do Brasil Ltda., confirmou outro lobby operaria dentro da Casa Civil da Presidência da República e acusou de novo o filho da ministra Erenice Guerra de cobrar dinheiro em 2009 para obter liberação de empréstimo no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). No mesmo dia da matéria Erenice foi exonerada pelo presidente Lula.
                A mídia divulgou que o fato de haver muitos familiares dela envolvidos em caso de lobby passando pela Casa Civil, tornou sua situação “insustentável” perante o presidente. Pesou ainda contra Erenice a publicação da nota atacando o candidato tucano José Serra, sem consultar nem mesmo o presidente sobre o conteúdo do documento.
                Em sua carta de demissão, Erenice Guerra afirmou que precisa de “paz e tempo” para se defender das acusações de lobby. Esses são alguns trechos:
                “Senhor presidente, por ter formação cristã não desejo nem para o pior dos meus inimigos que ele venha a passar por uma campanha de desqualificação como a que se desencadeou contra mim e minha família. As paixões eleitorais não podem justificar esse vale-tudo.
Preciso agora de paz e tempo para defender a mim e minha família fazendo com que a verdade prevaleça, o que se torna incompatível com a carga de trabalho que tenho a honra de desempenhar na Casa Civil.”
Até o momento em que este trabalho foi escrito a última informação sobre o caso Erenice, dia 16 de novembro, é que a Casa Civil da Presidência da República prorrogou por mais 20 dias a sindicância instaurada em setembro para investigar suposta prática de influência no ministério. O prazo inicial da sindicância era de 30 dias. Acabou sendo prorrogada pelo mesmo período, impedindo que o resultado e o teor das investigações internas fosse conhecido antes da realização do segundo turno das eleições presidenciais. A Polícia Federal também prorrogou seu prazo de investigação.

A teoria social do escândalo
                Para Thompson, no final do século 20 o escândalo assumiu uma importância na vida pública que ultrapassa a importância que ele possuiu para as gerações anteriores. Tanto que o principal marqueteiro da campanha de Dilma Rousseff, João Santana, admitiu em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” do dia 6 de novembro que o caso Erenice provocou o 2º turno.
                “O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil”, disse João Santana.
                Thompson ressalta que essa força do escândalo hoje está ligada a vários fatores, uma série de desenvolvimentos que possuem longa história e que tiveram profundo e duradouro impacto na vida social e política.
                O principal apontado é o caráter de mudança dos meios de comunicação, que transformaram a natureza da visibilidade e alteraram as relações entre a vida pública e privada. “Nessa era moderna de visibilidade mediática, o escândalo é um risco que ameaça constantemente tragar os indivíduos cujas vidas se tornaram o foco da atenção pública”, diz o autor.
                Há que se apontar também que hoje os escândalos também não são mais apenas tragédias pessoais – eles são também “lutas sociais que são travadas no campo simbólico”, no vaivém de afirmações e contra-afirmações, de revelações, alegações e negativas. E o escândalo é um fenômeno que acontece predominantemente no espaço público.
                Nessa teoria social do escândalo que cria, também destaca que as transformações sociais do período pós 2a Guerra Mundial foram gradualmente enfraquecendo a política ideológica dos partidos tradicionais com base nas classes.
Para Thompson isso criou as condições para uma “política de confiança”, isto é, muitas pessoas olham cada vez mais para a credibilidade e a confiança dos líderes políticos ou aspirantes a líderes, para seu caráter (ou falta dele), como um meio de avaliar sua adequação, ou não, ao exercício de um cargo. A ideologia política e programas partidários muitas vezes são deixados de lado nesse contexto. Nisso, o escândalo político assume um novo papel poderoso e auto-reforçador, como teste de credibilidade.

Poderes ameaçados
O que está em jogo não é apenas o orgulho do acusado em um escândalo, mas também seu poder, sua capacidade de fazer uso da reputação ou bom nome a fim de exigir respeito de outros e alcançar interesses e objetivos. O caso Erenice conseguiu diminuir o poder da ministra Erenice Guerra e da candidata Dilma Rousseff. Como já mostrado, com isso a primeira perdeu o emprego e a segunda perdeu eleitorado e foi para o segundo turno das eleições, que poucas semanas antes do escândalo liderava com folga.
O autor define escândalo como “ações ou acontecimentos que implicam certos tipos de transgressões que se tornam conhecidos de outros e que são suficientemente sérios para provocar uma resposta pública”. Normalmente são três os tipos principais de escândalos em nossa sociedade, que podem se misturar: má conduta nas relações sexuais; violação de regras das transações financeiras; e a corrupção no exercício do poder político.
E são dois os modelos de escândalos definidos por Thompson. No mais simples, uma ação de transgressão oculta é revelada publicamente, ou alega-se publicamente que ocorreu, e a revelação pública e/ou as alegações provocam manifestações públicas de desaprovação. No mais complexo, como o do caso Erenice, as revelações e alegações defrontam-se com negações e contra-alegações por parte dos indivíduos envolvidos, que por sua vez levam a investigações e revelações posteriores, dando origem a uma série de transgressões de segunda ordem. Muitas vezes as transgressões de segunda ordem podem assumir importância bem maior que a ofensa original.
Após as denúncias iniciais contra Erenice, ela se defendeu com várias negações e até colocou seus sigilos à disposição para investigação. Também alegou que as denúncias eram motivadas pela eleição e atacou o candidato da oposição. Novas investigações da mídia levaram a mais denúncias, algumas que reforçavam as acusações iniciais e outras de novos casos.     
A situação de Erenice ficou insustentável porque praticamente todos os veículos de mídia traziam acusações contra ela e, talvez o pior, ela estava envolvida em denúncias em conjunto com parentes. Na sociedade brasileira o político ou gestor público que usa seu poder para beneficiar sua família é muito mal visto. As denúncias de tráfico de influência e propina ficaram muito mais fortes moralmente porque envolviam parentes. 

Notícias velhas – Capitalização de 2010 da Petrobras na Folha.com


Notícias velhas – Capitalização de 2010 da Petrobras na Folha.com

INTRODUÇÃO
Este trabalho estudou a cobertura da capitalização em 2010 da Petrobras
(Petróleo Brasileiro S/A), que é uma empresa de capital aberto (sociedade anônima),
cujo acionista majoritário é o governo do Brasil (União).
Foram analisadas todas as notícias do site Folha.com (www.folha.uol.com.br) do
período de 1º de agosto a 30 de setembro de 2010 que citaram a capitalização. No total
foram 228 notícias analisadas.
A capitalização da Petrobras foi uma oferta pública de ações, feita em 24 de
setembro de 2010, na BM&FBovespa. O lote inicial previa a emissão de 2,17 bilhões de
ações ordinárias e 1,59 bilhão de preferenciais. Os lotes adicional e suplementar
incluíam ainda mais 940 milhões de ações. Até o final de setembro, a operação tinha
arrecadado oficialmente R$ 115 bilhões, mas o valor subiu com a venda de lotes
adicionais e em dezembro era de cerca de R$ 124 bilhões. Foi a maior venda de ações já
feita no mercado de capitais na história. Até então a maior havia sido a da Nippon
Telégrafos e Telefonia (R$ 62,4 bilhões), no Japão em 1987.
A Petrobras deseja todo esse dinheiro para acionar seu plano de exploração da
camada pré-sal, uma das últimas reservas conhecidas de petróleo no mundo. As áreas do
pré-sal incluídas na capitalização devem ter capacidade de produção de 2,126 milhões
de barris por dia, volume semelhante ao produzido atualmente no país, em torno de 2
milhões de barris por dia.
Tupi foi a primeira área das chamadas reservas pré-sal a ser descoberta e
anunciada pela companhia. O campo possui entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de óleo
equivalente (petróleo e gás), de acordo com estimativas. Atualmente, as reservas
brasileiras de petróleo e gás são de 15 bilhões de barris. Assim, apenas as projeções
preliminares feitas pela Petrobras em quatro áreas do pré-sal (Tupi, Iara, Guará e Parque
das Baleias), de volumes recuperáveis entre 10,6 bilhões e 16 bilhões de barris
equivalentes, já seriam suficientes para dobrar as reservas atuais do país.
Porém, as reservas do pré-sal estão em camadas muito profundas. O campo de
Tupi, por exemplo, se encontra a 300 quilômetros do litoral, na bacia de Santos na
projeção cartográfica do estado do Rio de Janeiro, a uma profundidade de 7 mil metros
e sob 2 mil metros de sal. A tecnologia para a extração de óleo e gás nessas condições
ainda tem que ser criada.
Sozinho, o governo federal comprou dois terços das ações emitidas na
megacapitalização da Petrobras, o equivalente a cerca de R$ 76,8 bilhões. Mas a forma
como a União atuou na capitalização foi diferente dos demais acionistas: segundo lei
aprovada pelo Congresso, a União foi autorizada a dar 5 bilhões de barris do pré-sal
como sua contrapartida no aumento de capital da estatal. A União é a dona do petróleo
do país.
Nessa operação, portanto, a parte da União não representou dinheiro imediato no
caixa da empresa. Essa cessão onerosa é intermediada por títulos da dívida pública, isto
é, a compra de ações foi feita com títulos, que depois serão trocados pelos 5 bilhões de
barris – os barris serão pagos pela Petrobras com os títulos da dívida pública emitidos
pela União. A Petrobras poderá explorar sem licitação os 5 bilhões de barris, que
tiveram preço médio fixado em US$ 8,51. O preço vai variar de acordo com o bloco de
onde virão os barris cedidos pela União.
Com a capitalização, a parte do governo na petrolífera subiu de 40% para 48%
do capital total. Além da cessão de barris de petróleo, os papéis da Petrobras foram
adquiridos também pelo BNDESPar, pela Caixa Econômica Federal e pelo Fundo
Soberano do Brasil. O governo federal, o BNDESPar e o Fundo Soberano atingiram
64% do capital votante da Petrobras, segundo comunicado enviado pela estatal à SEC
(CVM dos EUA).

PROBLEMA
Após leitura, levantamento de assuntos e análise do objeto de estudo, a tese
defendida é que a cobertura do portal Folha.com da capitalização da Petrobras repetiu
em excesso cinco temas principais: Mercado financeiro (106 vezes); Oscilação das
ações da Petrobras (77); Participação do governo na Petrobras (70); Desconfiança do
mercado (67); e Preço dos barris que a União vai ceder (62). São os temas que chamo de
“notícias velhas” – visão corroborada até por um analista de corretora entrevistado pelo
site estudado.
Com isso, o portal tomou o caminho editorial de focar seus textos, fotos, vídeos
e sons na ótica do mercado financeiro, o que é apenas uma escolha dentre tantas outras
que poderiam ter sido feitas, mas que pecou pela falta ou número pequeno de outras
opções para melhor entender esse importante momento da economia brasileira. Essa
escolha de notícias também procurou colocar em dúvida a maior participação do Estado
da economia, traduzidas nas várias notícias sobre a desconfiança do mercado e opiniões
contrárias ao modelo e eficiência da União. A cobertura da Folha.com também defendeu
maiores direitos para os acionistas minoritários (possuidores de ações de uma empresa
com direito voto sem, no entanto, ter seu controle acionário).

DESCRIÇÃO
Este trabalho extraiu e somou os temas das 228 notícias analisadas. Também foi
feito o mesmo com as fontes (instituições e/ou pessoas ouvidas) nas notícias. A divisão
dos temas foi a seguinte:
Temas Quantidade
Mercado financeiro 106
Oscilação das ações da Petrobras 77
Participação do governo na Petrobras 70
Desconfiança do mercado 67
Preço dos barris que a União vai ceder 62
Desempenho da Bovespa 56
Necessidade da Petrobras receber dinheiro 50
Capitalização afeta câmbio 45
Mercado sinaliza aprovar fase da
capitalização 37
Maior oferta de ações da história 37
Ganho de minoritários 36
Endividamento 32
Investment grade 28
Dificuldades estratégicas da Petrobras 27
Funcionamento jurídico/técnico da
capitalização 23
Uso polítco da Petrobras 21
Reservas do pré-sal 20
Eleições 17
Avaliação de perde e ganha 14
Uso de FGTS na capitalização 13
Mão do mercado 12
Oferta da Petrobras paralisa mercado 7
Política de aumento da presença do Estado 6
Divergência entre certificadoras 5
Marco regulatório 5
Valor de mercado 5
Grande entrada de dólares no país 4
Declaração de reforço da capitalização 4
Dificuldades na Justiça 4
Fundo Soberano 4
Opinião para investir 4
Novos IPOs 4
Período de silêncio 3
Superavit primário 3
Perdas da União 2
Custo de extração no pré-sal 2
Governança corporativa 2
Dívida pública 2
Duplo papel da União 2
Retornos em longo prazo 2
Deficit em transações correntes 2
Falta de informações ao investidor 2
Estado X Mercado 2
Destinação dos recursos do pré-sal 2
Alternativas energéticas 2
Prêmio de consolação 2
Dinheiro de fora do governo 2
Carry trade 1
Desconfiança de empresários 1
Regime de partilha 1
Road show no exterior 1
Avaliação de risco positiva 1
Obra da Petrobras 1
Combustível caro para os consumidores 1
Reestatização 1
Novas áreas na capitalização 1
Crédito privado 1
Acordo internacional 1
Patrimônio dos acionistas 1
Discussão na mídia 1
Futuro da Bolsa 1
Programa exploratório 1
Fronteira marítima 1
Opinião para não investir 1
Aplicação em opções de ações 1
Formadores de mercado 1
Valor de mercado da Bovespa 1
Petros 1
Previ 1
Fornecedores da Petrobras 1
Empréstimos assegurados 1
Pequeno investidor de varejo 1
Sistemas eletrônicos das corretoras 1
Carteira do BNDES 1
Capital votante 1

A descrição dos cinco principais temas segue abaixo:
1- Mercado financeiro: O portal abordou a capitalização da Petrobras essencialmente
pela ótica do mercado financeiro. Desde o início de agosto foi dado pelo menos uma
notícia por dia com o desempenho do Ibovespa e cotação do dólar, além de trazer dados
financeiros dos EUA, Europa e da Ásia. Quase como regra, a capitalização da Petrobras
era citada como razão da baixa ou alta das ações, tanto no texto dos jornalistas como em
trechos de analistas entrevistados.
A partir do dia 18 de agosto essa cobertura do mercado financeiro foi ampliada.
O portal passou a dar por dia quatro notícias sobre o tema: uma por volta das 11h sobre
a abertura da Bolsa; outra por volta das 13h30 sobre como foi o desempenho até o
momento; outra perto das 16h centrada no fechamento da cotação do dólar; e uma
última após as 18h com o balanço final do dia. Em todas as quatro oportunidades a
capitalização da Petrobras era citada.
O tema mercado financeiro acabou também inserido não apenas em matérias
sobre o dia da Bovespa, mas também em notícias sobre a grande entrada recente de
dólares no país, o preço dos barris que a União vai ceder a Petrobras, déficit em
transações correntes, dificuldades estratégicas da Petrobras, entre outras.
2- Oscilação das ações da Petrobras: Dentro da cobertura centrada no mercado
financeiro; a oscilação das ações da Petrobras foi assunto central. É importante ressaltar
que a estatal tem a maior participação na Bovespa, seguida pela Vale, então é natural
citar muito o sobe-e-desce do valor das ações nesse tipo de cobertura.
Mas o site destacou em demasiado que as ações caíram bastante neste ano antes
da capitalização, em cerca de -20%, e nem sempre explicando todos os motivos: além
da incerteza sobre a capitalização houve também a mão do mercado tentando derrubar
as ações antes da oferta pública.
3- Participação do governo na Petrobras: Foram muito ressaltadas as ações do governo
federal na definição da capitalização e na administração da Petrobras. As matérias
procuram mostrar que um dos motivos da capitalização, além de conseguir recursos
para os investimentos do pré-sal, foi principalmente aumentar o controle da União sobre
a estatal. Por exemplo, no dia 10 de agosto o site trouxe entrevista com o diretor-geral
da ANP (Agência Nacional do Petróleo), Haroldo Lima, na qual ele defendeu que o
governo saia “mais dono” da Petrobras após a capitalização da empresa.
No dia 13 de setembro também foi dito pelo repórter do site que “o presidente
[Lula] deseja terminar seu mandato com a bandeira de que conseguiu recomprar boa
parte das ações que o tucano FHC vendeu para o setor privado” na matéria
“Capitalizações de estatais podem atingir R$ 83 bilhões”.
Após a capitalização essa afirmação ficou mais comedida nos textos: “O
objetivo jamais declarado pelo governo era voltar a ter 50% do capital da Petrobras,
como ocorria até o governo Fernando Henrique Cardoso”, na matéria “Participação do
governo na Petrobras sobe de 40% para 48%, diz Mantega” de 24 de setembro.
4- Desconfiança do mercado: Foram 67 citações com desconfianças do mercado
financeiro em relação à capitalização. As críticas principais foram relacionadas ao prazo
estabelecido pelo governo para a oferta pública de ações (seria cumprido ou não?);
especulações sobre o preço do barril que a União usou na capitalização (o site defendia
que o governo lutava por um preço alto para ficar com mais ações); dificuldades
técnicas para organizar a capitalização; dificuldades administrativas da Petrobras em
explorar o pré-sal no futuro; e interferências políticas na capitalização.
O site trouxe a informação no dia 18 de agosto de que o megainvestidor George
Soros, um dos ícones do mercado financeiro mundial, vendeu no segundo trimestre
todas as suas aplicações em papéis da Petrobras, que eram o principal investimento da
sua carteira ao menos até o fim de março. Essa informação, claramente desfavorável à
Petrobras, foi repetida depois em várias outras matérias da cobertura.
Nas palavras dos jornalistas ou de analistas de corretoras, as matérias disseram
que oscilação das ações da Petrobras era devida às notícias da capitalização da
Petrobras. Ou seja, com mais notícias sobre incertezas, mais voláteis ficam as ações – é
difícil saber quem inicia esse processo.
5- Preço dos barris que a União vai ceder: Textos abordaram uma queda de braço entre
a Petrobras e a ANP pelo preço do barril.
A ANP contratou a consultoria Gaffney, Cline and Associates e a Petrobras a De
Golyer and McNaughton para calcularem os valores. Baseados em fontes em off ou
afirmações de repórteres do site, as matérias afirmaram que a Petrobras tinha interesse
em um valor mais baixo para o barril, porque receberia mais dinheiro vivo ao invés de
títulos da dívida.
Já o outro lado, usando uma matéria da Reuters, o portal trouxe no dia 10 de
agosto entrevista com o diretor-geral da ANP, Haroldo Lima, na qual ele diz que
esperava um preço em torno de US$ 7 ou US$ 8 para o barril de petróleo e que
considerava um valor próximo a US$ 5 muito pequeno. Segundo Lima, eventuais sobras
de ações poderiam ser compradas pela União com dinheiro, e não com títulos públicos.
O que de fato ocorreu, a operação da União também usou dinheiro, mas isso foi pouco
citado antes da capitalização.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi entrevistado no dia 20 de agosto e
disse que a avaliação das reservas do pré-sal para a capitalização da Petrobras levaria
em conta apenas critérios técnicos. Ele também é presidente do conselho de
administração da Petrobras e destacou não haver problema em acumular os cargos em
meio ao processo e garantiu que não haveria manipulação para favorecer qualquer lado.
Já matéria do dia 28 de agosto afirma que o portal apurou que o presidente Lula preferia
um valor próximo a US$ 10 para o barril.
Representante da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais)
também foi ouvido, no dia 31 de agosto, e defendeu que a União não deveria definir o
preço do barril. “Nossa tese é que a capitalização, na verdade, é feita com barril. Eles
[União] teriam que se abster de votar o preço do barril -e não das LFTs [títulos
públicos]. Mas essa foi a forma encontrada para a União tirar todos os empecilhos
jurídicos e ter a liberdade de definir sozinha o preço do petróleo”, disse Edison Garcia,
superintendente da Amec.
Depois, uma entrevista com o presidente Lula no dia 1º de setembro mostrou que
o pensamento dele era realmente próximo a tese defendida pela Folha.com. “Se a gente
fica aqui achando que serão os acionistas que vão dizer o que a União vai pedir, você
não precisava fazer negócio porque nós já sabemos que eles querem o preço mais barato
possível”, disse o presidente. Lula afirmou, segundo o portal, que o petróleo pertence à
União e é dela a responsabilidade por definir o preço “mais justo”.
O preço final definido para o barril foi da média de US$ 8,51, portanto mais
próximo do que a ANP defendia, já que a União teria espaço para obter mais ações.
Porém, o mercado financeiro reagiu bem já no dia seguinte, 2 de setembro, com altas
seguidas das ações da Petrobras. Após a definição da data da capitalização e do preço do
barril, o próprio portal disse que “para analistas, o mercado tende a reagir positivamente
à confirmação dessa operação”. Foram 37 textos favoráveis a capitalização depois
dessas confirmações. Mais do que preço do barril, a definição da realização de fato da
capitalização parecia ser o motivo principal da desconfiança do mercado.
Outros temas importantes abordados seja porque ajudaram a corroborar o efeito
dos cinco primeiros ou porque foram citados poucas vezes apesar de importantes para
entender a capitalização:
- Ganho de minoritários (36 vezes): O portal defendeu que os interesses dos acionistas
minoritários estavam sendo deixado de lado para favorecer mais a União. Também foi
dito que eles seriam diluídos porque o preço para acompanhar a ação da União com a
cessão onerosa dos barris seria muito alto.
Porém, poucos investidores foram ouvidos para confirmar essas teses, como a
entrevista com a Amec citada acima. No dia 13 de setembro, um pequeno investidor foi
ouvido, mas numa matéria centrada na aplicação em opções de ações (“Operação com
opções de ações cresce 80% na BM&FBovespa neste ano”), na qual o entrevistado dizia
só ter no momento prejuízos com as ações da Petrobras.
A grande matéria sobre minoritários foi apenas uma, no dia 1º de setembro, que
trouxe uma entrevista grande com o gestor Will Landers, da norte-americana
BlackRock, maior acionista minoritária da Petrobras. Ele disse considerar muito
importante a definição do preço do barril da cessão onerosa, para “saber se a operação
faz sentido ou não”. Mas não se limitou a isso: a maneira “como a operação é
estruturada” também foi citada com importância. Em relação a esse ponto, a cobertura
do portal trouxe apenas 23 menções ao funcionamento jurídico/técnico da capitalização.
E Will Landers também minimizou dois fantasmas que a cobertura considerou
sérios em relação à Petrobras, atribuindo-os mais a excessos da mídia, politização ou
condições comuns no mundo.
1) Tratamento dado aos minoritários: “Não vou reclamar antes de saber qual é a
absorção final do negócio. O caso não terminou ainda. Hoje, essa discussão está muito
mais na mídia do que entre os acionistas. Ficou muito politizado. Vamos esperar para
ver se a operação vai ser feita de maneira que deixe o mercado confortável. Não será a
última vez que a Petrobras terá de ir ao mercado levantar dinheiro.”.
2) Incertezas derrubaram ações da Petrobras: “Sem dúvida. Mas isso acontece também
porque o acionista será diluído. A operação lembra ao mercado que a Petrobras é uma
companhia do governo. Qualquer companhia do governo -e não é só no Brasil- vai ter
um desconto em relação a uma companhia 100% privada. E pelo simples fato de que
sempre tem essa possibilidade de troca do governo.”
- Endividamento (32) e Investment grade (28): Temas também muito repetidos, quase
sempre a cobertura lembrava que a Petrobras precisa de dinheiro, não só para o
investimento do pré-sal, mas também para diminuir seu grau de endividamento e com
isso manter sua facilidade para conseguir empréstimos com juros menores.
No período analisado, porém, esses dois temas tiveram apenas duas matérias
mais longas para analisar o assunto: “Endividamento da Petrobras chega ao limite da
meta da empresa” (13 de agosto) e “Endividamento alto não é visto como um
‘detonador’, diz Petrobras” (17 de agosto).
A Petrobras atingiu, em 30 de junho, um nível de endividamento de 34% do
patrimônio líquido da companhia, ante 32% verificados no final do primeiro trimestre.
O endividamento total da companhia chegou a R$ 94 bilhões no final do segundo
trimestre, acima dos R$ 81 bilhões verificados em 31 de março de 2010.
O diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Petrobras, Almir
Barbassa, disse ao portal que, diante do nível de investimento da Petrobras, é natural
que as agências de classificação estipulem um teto de 35% para dar o investment grade
para uma empresa. Segundo também o portal, para Barbassa, a concessão do investment
grade resulta de uma análise ampla, e não apenas da avaliação do nível de
endividamento. Ele garantiu que as agências de risco que indicaram a Petrobras como
boa empresa para se investir vêm mantendo estabilidade no rating da Petrobras.
Ou seja, apesar de ser muito citado na cobertura o endividamento da Petrobras é
tido como controlado pela empresa e não é citado como a única razão para perder o
investment grade. Claro que essa avaliação da Petrobras pode ser mentirosa, já que é de
interesse da estatal. Mas o site não foi atrás de mais fontes para desmentir ou comprovar
essas avaliações.
Isso só foi feito em uma matéria da Reuters do dia 18 de agosto, “Standard &
Poors não mudará classificação da Petrobras no curto prazo”, que entrevistou Regina
Nunes, presidente da agência de classificação de riscos Standard & Poors para o Brasil.
Ela disse que não há razão para a Petrobras perder o grau de investimento, mesmo que a
capitalização não fosse realizada. “Na opinião da Standard & Poors, não está sendo
discutido ela [Petrobras] perder o grau de investimento com a situação realista que ela
tem hoje”, disse. E também afirmou que a nota depende de mais fatores. “Não dá pra
formar a nota com base em um dado só [como a alavancagem]. O Brasil virou grau de
investimento com conta corrente negativa”, afirmou Regina. Essas informações da
Standard & Poors não foram depois repetidas na cobertura.
Ainda nos temas de endividamento e investment grade faltou também mostrar
informações como quais são os motivos do endividamento, como a Petrobras paga essas
dívidas, quais seus vencimentos, tudo que de fato é levado em conta no investment
grade, entre outros detalhes.
- Dificuldades estratégicas da Petrobras (27) e Dificuldades na Justiça (4): O que
interessa mesmo para uma empresa petrolífera é boa gestão, desenvolvimento
tecnológico e preço bom do barril do petróleo no mundo. Mas como já visto a cobertura
da Folha.com foi muito centrada no mercado financeiro, em oscilação de ações e na
discussão sobre a participação ou não da União na Petrobras.
As dificuldades estratégicas da estatal foram pouco citadas e na maioria das
vezes rapidamente. A matéria mais abrangente desse tópico foi “Gargalos ameaçam
compras da Petrobras no Brasil” do dia 10 de agosto. Como o texto aponta, há falta no
mercado nacional de construção naval, instrumentação e automação, caldeirarias etc. Os
itens gestão e preço do petróleo no mundo nem foram analisados no período estudado.
Quanto ao tema Dificuldades na Justiça, a maior exposição foi em “Procurador
pede apuração que pode contestar pré-sal”, matéria do dia 12 de agosto. O procurador
Paulo Roberto de Carvalho do DF questionou se a cessão onerosa dos barris da União
para a Petrobras pode trazer prejuízos para o país. Esse suposto prejuízo e outras
possíveis ações na Justiça contra a capitalização do pré-sal tiveram pouco destaque.
- Falta de informações ao investidor (2): Ponto interessante da capitalização da
Petrobras. Como a operação foi gigante, a estatal contratou todos os bancos e corretoras,
além dos principais consultores e advogados de direito societário do Brasil. Fora isso,
60 dias antes de pedidos de oferta de ações como o da Petrobras, a CVM (Comissão de
Valores Mobiliários) impede que todos os participantes da operação emitam qualquer
avaliação, opinião ou juízo de valor sobre a empresa.
Por isso, como afirma o texto “’Lei do silêncio’ deixa investidor ‘no escuro’ na
oferta da Petrobras” (12 de setembro), o pequeno investidor ficou sem avaliações para
investir ou não. Apenas o grande investidor teve acesso aos “road shows”, em que
executivos da empresa tiravam dúvidas.
Esse silêncio e a grande estrutura a favor da Petrobras poderiam gerar muitos
questionamentos sobre a lisura da capitalização e também sobre a validade efetiva da
regra da CVM. Mas o tema só voltou a ser abordado 29 de setembro no texto e
videocast “Toni Sciarretta: Investidor fica sem informações sobre Petrobras”, no qual o
repórter que mais cobriu a capitalização faz uma espécie de balanço do processo. Ele
levanta essas dúvidas, mas diz que pelo menos a comissão paga foi baixa para os
envolvidos:
“O problema é que, como todos eram parte interessada, quase ninguém podia
falar nem bem nem mal, afinal tinha seus interesses particulares. Pode-se pensar até que
a Petrobras distribuiu dinheiro para ‘calar’ todo mundo, ou que a operação do ano foi
uma grande farra da capitalização.
Mas isso também não é verdade. A operação rendeu aos bancos de investimento
e demais intermediadores cerca de US$ 147 milhões em comissões-- 0,21% da operação
de US$ 70 bilhões.
Só para comparar, o HSBC o maior banco europeu em valor de mercado,
levantou US$ 19,4 bilhões no ano passado e pagou US$ 520,9 milhões-- 2,6%. No
Brasil, a média das comissões nos IPOs é de 3% e 4%.”
- Política de aumento da presença do Estado (6) e Estado X Mercado (2): Em algumas
matérias a Folha.com disse claramente com todas as letras o que ficava subentendido
em muitas outras: o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem em curso uma
política de aumento da presença do Estado na economia que pode trazer riscos para o
país e para o mercado financeiro.
No texto “Capitalizações de estatais podem atingir R$ 83 bilhões”, de 13 de
setembro, por exemplo, são somadas as capitalizações da Petrobras, do Banco do Brasil,
da Eletrobras e da Telebrás dentro do cronograma montado pela equipe de Lula.
“Somadas, as operações de aumento de capital das quatro empresas podem atingir R$
83 bilhões no segundo semestre de 2010, valor próximo dos R$ 117,6 bilhões que o
Tesouro Nacional detinha diretamente em 121 estatais no ano passado, segundo dados
do próprio órgão. O investimento nessas operações é suficiente para construir o trembala
e as usinas de Belo Monte (PA), Santo Antonio e Jirau (ambas no rio Madeira, em
Rondônia). Equivale ainda a duas vezes os investimentos federais no PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) previstos para o primeiro ano do próximo governo”, diz a
matéria.
Essa política é apontada como arriscada, por economistas do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) e da consultoria Tendências, por trazer riscos fiscais de
médio e longo prazo e desestímulos a investimentos do setor privado.
Textos da BBC Brasil também reproduziram reportagens e editoriais de veículos
ligados ao mercado financeiro, “Financial Times” e “The Economist”, que também
criticaram a presença do Estado na economia brasileira, em razão da criação de males
como aumento da dívida pública e no caso da Petrobras há o perigo de se criar uma
“companhia inchada e superampliada”.
- Uso político da Petrobras (21) e Eleições (17): Vale ressaltar que a Folha.com tentou
poucas vezes associar a capitalização da Petrobras às eleições presidenciais de 2010, um
caminho em tese mais fácil para atacar o governo federal.
No começo da cobertura, inclusive, o site chegava a afirmar na verdade as
eleições é que deixavam em dúvida se a capitalização seria feita ou não até o fim de
setembro porque o governo achava que o processo eleitoral poderia atrapalhar a imagem
da capitalização.
A crítica mais comum repetida na cobertura é que uma suposta ingerência
política do governo prejudica a Petrobras, mas sem entrar em detalhes.
Foram noticiadas apenas em apenas 4 vezes menções públicas da então
candidata do governo ao Planalto, Dilma Rousseff, sobre a capitalização e todas elas
sem ataques.
As críticas mais fortes de um uso político da Petrobras vieram de textos da BBC
Brasil que trouxeram reportagens e editoriais de veículos ligados ao mercado financeiro,
“Financial Times” e “The Economist”. No mais duro, “Em artigo no ‘FT’, analista diz
que Lula arrisca legado fomentando ‘euforia’ petroleira”, de 12 de agosto, foram
reproduzidas afirmações do diretor-executivo do instituto Fernand Braudel de Economia
Mundial, Norman Gall:
“Lula está usando a imagem do Brasil como potência petroleira emergente como
uma arma política, invocando sentimentos de triunfalismo para ajudar a levar o PT à
vitória [eleitoral]
(...)
Da mesma forma que [na lenda] Ícaro viu suas asas de cera derreterem quando
voou perto demais do sol, Lula está arriscando seu legado à medida que as polêmicas se
multiplicam em relação às suas políticas petroleiras.
(...)
Quando Lula chegou ao poder, em 2003, teve a sabedoria de reconhecer que os
brasileiros não aceitariam um retorno à inflação crônica que impediu seu bem-estar
durante décadas. Os críticos agora argumentam que o aumento no gasto público, junto
com as polêmicas financeiras envolvendo as descobertas de petróleo, pode significar um
infeliz retorno ao passado.”
Essas acusações tão diretas de uso político da Petrobras não foram depois
repetidas.
Em relação a fontes ouvidas, também transpareceu a opção editorial por matérias
mais voltadas para o mercado financeiro. Analistas de corretoras lideram com folga,
mesmo com a “lei do silêncio” em grande parte das corretoras:

Fontes Número
Analista de corretora 44
Direção Petrobras/nota oficial 26
Ministro do governo/secretário 13
Não reveladas – off 11
Presidente da República 9
Analista de banco 5
Presidente/Diretor do Banco Central 5
Analista de agência de câmbio 5
Diário Oficial da União 5
Nota oficial do governo 4
Reportagem/editorial do "Financial Times" 4
Candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff 4
Direção da BM&Fbovespa 3
Acionista 3
Presidente do BNDES/Nota 3
Economista do Insper 3
Direção da ANP 2
Empresários 2
Ex-funcionário da Petrobras 2
Agência de risco 2
CVM 2
Escola de investimentos 2
Consultorias financeiras 2
Fundos de pensão 2
Candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva 2
Direção da Prominp 1
Economista estrangeiro 1
Ministro do TCU 1
Professor universitário 1
Governador do ES 1
Candidato à Presidência do PSTU 1
Amec 1
Banco suíço UBS 1
Centro Brasileiro de Infraestrutura 1
Anbima (associação das entidades do mercado) 1
Apimec-SP (associação dos analistas) 1
CBIE (Centro Brasileiro de Infra Estrutura) 1
Ipea 1
WTorre 1
Relatório do Banco Central 1
Relatórios de consultorias Gaffney, Cline & Associates e
DeGolyer & MacNaughton 1
Fundo de investimentos 1
CMA 1
Diretor da Caixa Econômica Federal 1
Secretário do Tesouro Nacional 1
Editor da revista britânica "The Economist" 1

ANÁLISE
Como mostra Kucinski (2007), o jornalismo econômico pode funcionar como
um braço auxiliar da política, como ocorreu “na implantação do projeto neoliberal, em
especial na campanha pelas privatizações, em que todos os meios de comunicação de
massa adotaram a mesma posição, apesar da sociedade civil estar dividida.”
No caso estudado neste trabalho houve uma defesa também da política
neoliberal pela Folha.com, com críticas diretas e indiretas a participação da União no
controle da Petrobras. O jornalismo é exercido por uma elite intelectual e tem papel
decisivo na criação de expectativas e no jogo do poder, ressalta Kucinski (2007).
O mesmo autor aponta que o traço ideológico mais geral e permanente do atual
estágio do jornalismo econômico é a “defesa da livre empresa na esfera econômica e da
democracia liberal na esfera política”. Competitividade é vista como a “conquista de
mercados”, mas que à custa da destruição do emprego ao invés de sua criação, como
apontou editor da revista britânica “The Economist” sobre o risco da Petrobras se tornar
uma “companhia inchada e superampliada”.
Dois traços da mentalidade jornalística que Kucinski (2007) descreve foram
vistos na análise dos textos sobre a capitalização: oficialismo e entreguismo. A maioria
das fontes ouvidas nas matérias foram do governo e de analistas de corretoras, ou como
o autor diz, fontes oficiais e técnicos. Quanto ao entreguismo, é a tendência de não se
acreditar em nada que seja nacional ou brasileiro, como no caso o sucesso da
capitalização da Petrobras.
Mas a oferta pública de ações teve bons resultados, até para os minoritários. Na
matéria “Petrobras capta R$ 120,4 bi com ações” do dia 23 de setembro são listados os
resultados alcançados.
“Apesar de críticas e rumores contrários, a adesão dos maiores fundos de
investimento do mundo à oferta de ações teria superado mais de uma vez e meia a
demanda.
Na semana passada, esses mesmos fundos falavam que poderiam não entrar na
oferta por conta de riscos da operação no pré-sal, da diluição dos lucros com mais
acionistas e do desrespeito aos minoritários.
(...)
Surpreendentemente, as ações da estatal disparam hoje; a expectativa era que
desabassem mais. Os papéis ON terminaram o dia a R$ 30,25 (alta de 1,92%), e os PN,
a R$ 26,80 (3,16%).
A interpretação foi que os grandes investidores não conseguiram levar
integralmente os papéis que fizeram reserva e tentavam, hoje, comprar as ações antes de
uma possível alta.
(...)
Também surpreendeu a entrada de pequenos investidores do varejo, incluindo os
que puderam utilizar recursos do FGTS (só podia quem entrou em 2000). Os
coordenadores acreditam que 400 mil pessoas possam ter participado da oferta.
Amanhã, será divulgado se houve rateio de ações no varejo.
A adesão foi tão alta que há dúvidas se a União conseguiu, de fato, ampliar de
34% para 50% sua participação na Petrobras.”
Como se vê no texto do site foram muitas surpresas e o veículo de imprensa
errou em muitas avaliações. Matéria no começo do mesmo dia 23 de setembro, às 7h32,
afirmava que a capitalização devia alcançar cerca de R$ 104 bilhões e as ações
próximas de R$ 26 para os papéis PN (sem voto) e de R$ 29 para os ON (com voto). No
dia 17 de setembro, na matéria “Adesão de fundos estrangeiros a oferta de ações da
Petrobras é baixa” a expectativa também era ruim: “Ganhou corpo a avaliação entre os
analistas de que a operação pode ‘micar’ entre os investidores estrangeiros. A adesão
dos atuais acionistas à oferta teria sido baixa, segundo os bancos.”
Claro que não cabe aqui só apontar os erros após os resultados já conhecidos. A
capitalização da Petrobras foi gigante e complexa, vários veículos de mídia erraram em
suas avaliações. Mas aí talvez fosse o caso de consultar mais fontes, fora do mercado
financeiro, para fazer análises alternativas do processo. Como o próprio site mencionou
no tema Mão do mercado (citado apenas 12 vezes), o mercado financeiro atuou para
derrubar o preço das ações da Petrobras para comprá-las mais barato na capitalização.
Seria interessante explicar melhor isso e alertar os fatores que de fato iriam determinar a
compra de ações no dia da capitalização.
Um outro aspecto, mesmo cobrindo uma capitalização na Bolsa de Valores,
talvez fosse fugir da “financeirização da ciência econômica”, como aponta Dowbor
(2007). O autor afirma que a “a área das finanças passou a ser analisada de forma
isolada das suas consequências e utilidade econômica, e a especulação financeira
adquiriu nas ciências econômicas um papel central”.
Por exemplo, a capitalização da Petrobras vai gerar mesmo recursos para o
“desenvolvimento no novo contexto de mudança tecnológica, desregulação e mudança
institucional” que Dowbor (2007) ressalta como importantes? No dia 22 de setembro o
site estudado bem trouxe que para que as áreas do pré-sal incluídas na capitalização da
Petrobras comecem a produzir, será necessária a construção de pelo menos 14 novas
plataformas, que seriam conectadas a 184 poços. Em valores correntes, para a
construção dessas plataformas seriam necessários US$ 18,5 bilhões (R$ 31,8 bi),
segundo relatório da Gaffney, Cline & Associates, consultoria contratada pela ANP. A
capitalização é suficiente para isso e para manter a estrutura da Petrobras já existente em
funcionamento? Fora a operação do governo com a cessão de barris, o dinheiro
assegurado era de cerca de R$ 45,6 bilhões em setembro, ou seja, nem tanto assim além
dos R$ 31,8 bilhões que a consultoria julga necessários. Mais matérias poderiam ter
feito esses questionamentos.
O objeto estudado neste trabalho é um portal de notícias na internet. Kucinski
(2005) mostra as características do jornalismo econômico on line, que muitas vezes
também acabam determinando seus conteúdos e dificultando mudanças. Seu principal
público são os especuladores e as instituições financeiras. Com o jornalismo on line, a
aceleração do tempo provocada pelo domínio da especulação financeira sobre as demais
atividades econômicas “migrou para o processo de produção de notícias, levando a uma
aceleração correspondente do tempo jornalístico”. Como já mostrado, a Folha.com na
cobertura da capitalização da Petrobras chegou a dar quatro matérias por dia apenas
sobre o desempenho das ações da Bovespa e na maioria das vezes só ouvindo pessoas
do mercado financeiro.
Ainda segundo Kucinski (2005), há no jornalismo on line a primazia da
velocidade sobre outros atributos da informação, tais como precisão, contextualização e
interpretação. “Esses atributos são sacrificados em nome da velocidade. (...) É um
jornalismo que não espera o resultado da batalha. Informa cada troca de tiros.”
A terceira característica diferenciadora do jornalismo on line está no uso que
esses veículos fazem de seus conteúdos. O autor explica que enquanto os despachos das
agências de notícias eram e ainda são usados como produto final, publicados com
apenas leves adaptações nos meios mais antigos como jornal impresso, no noticiário on
line é usado como pauta para a cobertura feita pelos próprios jornalistas. “O repórter,
mesmo se já está em campo, recebe por intermédio de seu celular novas ordens de
trabalho, inspiradas em fato que seu chefe acabou de ler no jornalismo on line das telas
de internet. E, como essas pautas tratam majoritamente de economia e finanças, o
processo leva ao domínio temático do capital financeiro e seus interesses na pauta
jornalística geral.”

CONCLUSÃO
Na última matéria estudada, “Bovespa fecha estável; ações da Petrobras sobem
com força e contém queda”, de 29 de setembro (dia 30 a capitalização não foi abordada
no portal), um membro do mercado financeiro, Bernardo Rodarte, da mesa de operações
da Sita Corretora, é entrevistado e afirma que as ações da Petrobras estavam
desatualizadas e podiam ultrapassar R$ 30. Para ele a “notícia velha” do temor da
capitalização já era passado.
“Hoje foi principalmente Petrobras o que segurou o mercado, principalmente por
conta de compras dos estrangeiros. Esse papel estava muito ‘atrasado’, travado por
causa da ‘capitalização’, mas acho que isso já se tornou ‘notícia velha’. Nos temos que
lembrar que essas ações estavam negociadas a mais de R$ 30 até pelo menos agosto do
ano passado, quer dizer, tem muito o que recuperar”, comenta Bernardo Rodarte.
Foi de várias notícias velhas repetidas em excesso que foi feita a cobertura da
Folha.com. Mas, é claro, as notícias que foram demasiadamente repetidas foram as de
interesse do portal, para pôr em dúvida a capitalização da Petrobras e a participação da
União no processo.
A notícia que serviu como um balanço da capitalização pela ótica do site, “Toni
Sciarretta: Investidor fica sem informações sobre Petrobras”, de 29 de setembro, diz: “A
história mostra que nenhuma empresa gigante sobreviveu ao seu próprio gigantismo,
mesmo administradas pelas melhores cabeças da administração. Gestão governamental
fica ainda mais difícil.”
O site tem o direito de dar essa opinião, mas faltou o aprofundamento para
mostrar melhor as dificuldades estratégicas da Petrobras que uma gestão governamental
pode trazer. Além de mostrar mais os pontos positivos para investidores e governo que
estavam sendo atendidos na capitalização.

BIBLIOGRAFIA
Dowbor, Ladislau. “Democracia econômica”. Banco do Nordeste, 2007.
Kucinski, Bernardo. “Jornalismo Econômico”. Edusp, 2007.
_______________. “Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética”.
Editora Fundação Perseu Abramo/Editora Unesp, 2005.