quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Um jeito soft de ser

O químico e executivo de vendas de uma multinacional Gutenberg Souza Oliveira, 44, está finalizando um curso MBA Executivo, ou a sigla em inglês para Master of Business Administration, que é uma tradicional formação similar ao mestrado oferecida por escolas de negócios. Porém, uma das atividades principais de estudo não é diretamente relacionada com o dia a dia do escritório. Ele teve que participar de uma regata em um veleiro.


A intenção da instituição de ensino é desenvolver nos alunos os “soft skills”, isto é, as habilidades comportamentais que um gestor obrigatoriamente precisa também ter para liderar. Os conhecimentos mais técnicos, administrativos ou financeiros são conhecidos como “hard skills”, os quais comumente as escolas de negócios davam mais ênfase. Mas uma revisão dos cursos de MBA no mundo na década passada vem equilibrando as abordagens. No Brasil, as principais escolas de negócio também estão transformando seus currículos.


Oliveira é aluno da BSP (Business School São Paulo) e teve aulas de vela em Boston (EUA), numa parceria que sua escola tem com a Suffolk University. Seu veleiro tinha quatro pessoas e mais um instrutor, cada um com uma função específica. “É um ambiente em que tudo pode acontecer, por isso todos dependem um do outro, por exemplo, para mudar o rumo do barco, aproveitar o vento. É necessária muita coordenação, espírito de grupo. No fim, minha equipe foi vice-campeã e nós sentimos realizados”, lembra.


Na vida profissional ele tem gerência direta sobre equipes de vendas que dependem de suas informações e os conhecimentos dos “soft skills” têm sido usados para lidar melhor com as pessoas, tanto em momentos em que é necessária uma postura mais dura ou naqueles em que a relação tem que ser de ganha-ganha.


O coordenador dos programas de MBAs da BSP, Fernando Marques, afirma que cerca de 40% do curso é voltado apenas para os “soft skills” com a disciplina liderança e desenvolvimento de equipes, workshops de autoconhecimento, espiritualidade e negociação, o módulo internacional em Boston, aulas de ioga e sessões de coaching individuais.


“Avaliar a viabilidade econômica de um projeto, a taxa interna de retorno, são funções naturais de um executivo e podem ser aprendidas com aulas técnicas. Mas como tocar a implementação desse projeto é complexo. O profissional precisa estimular sua equipe, expor claramente suas ideias e negociar com vários públicos. Nisso os 'soft skills' são necessários e eles precisam ser testados, treinados e aperfeiçoados em qualquer pessoa.”


Nova visão mundial

Na Fundação Getulio Vargas em São Paulo a escola de negócios é conhecida como Ceag (Curso de Especialização em Administração para Graduados), instituição criada em 1966, mas que só nos últimos anos ganhou três disciplinas obrigatórias voltadas para as habilidades comportamentais: comunicação para gestores, negociação empresarial e relações interpessoais.


O coordenador do Ceag, Renato Ferreira, comenta que os cursos de MBA passam por uma transformação no mundo muito influenciados pelo estudo e mudanças que a Universidade Harvard começou no 100º aniversário da escola em 2008. Foram realizadas entrevistas com executivos e reitores de outras escolas de negócios, entre elas a Ceag, que criaram o Field (Programa de Desenvolvimento e Imersão em Liderança, em português), uma abordagem focada em liderança, globalização e experiências de aprendizagem em pequenos grupos.


“No Ceag utilizamos métodos como o 'role playing', de interpretação de papeis, nos quais os alunos são divididos em grupos pequenos para treinar características como negociação e trabalho em equipe. Cerca de 30% do curso é só de 'soft skills', mas essas habilidades são exploradas em todas as aulas por sua importância para os negócios”, afirma.


O engenheiro de telecomunicações Sidnei Pereira, 31, é um dos alunos da escola e afirma que está aprendendo como se adaptar a diferentes públicos por meio dos estudos de caso e simulações que tem em aula.


“Lidar com um cliente, colega de trabalho ou fornecedor hostil tem muitas sutilezas. As pessoas podem ter dúvidas sobre o que você defende e não estarem dispostas a ouvir, mas você tem que reverter isso, mostrar vários pontos de vista, ter firmeza, expressão corporal correta. Também ajuda muito estudar o reportório do seu interlocutor antes de uma conversa.”


Outra escola que afirma usar as habilidades comportamentais em todas as disciplinas é o Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração), aberto em 1973. No MBA Executivo há disciplinas específicas de habilidades de comunicação e negociação com foco nas habilidades comportamentais, além de seminários nos quais são discutidos e exercitados os “soft skills”.


Vicente Ferreira, vice-diretor de educação executiva do Coppead, afirma utilizar um método de ensino participativo no qual os alunos são forçados a negociar ao longo de todo o curso para transmitir suas ideias e treinar a liderança situacional, ou seja, saber os momentos de chamar para si o comando ou de criar alianças.


Parte das aulas é feita também com observações em campo para conhecer melhor certos públicos. Por exemplo, uma das atividades é visitar mercados populares como o Mercadão de Madureira (zona norte do Rio). “Isso é feito para os alunos conhecerem melhor os consumidores, eles são obrigados a interagir com as pessoas. Hoje não dá para imaginar um executivo de sucesso que não seja um bom político, no sentido grego do termo. Para executivos jovens é valioso aprender mais conhecimentos técnicos, mas profissionais com dez, 15 anos de experiência, precisam cuidar principalmente de suas habilidades comportamentais”, afirma.


Entender o outro

Não é só no mundo corporativo no qual um bom uso dos “soft skills” pode fazer a diferença. As escolas de negócios também têm alunos de outras atividades como a segurança pública. O coronel da Polícia Militar paulista Renato Cerqueira, 50, concluiu no ano passado o MBA Executivo do Insper. Ele tem 400 pessoas em sua equipe, entre oficiais e praças, para dar proteção a autoridades do Poder Judiciário.


Apesar da chefia e liderança serem muito estimuladas na corporação da PM, Cerqueira diz que as técnicas de negociação e motivação de colaboradores são extremamente úteis no seu dia a dia.


“Nossa atividade é cheia de questões conflitivas, então ter empatia com as pessoas é fundamental. A maioria das situações só é bem resolvida se houver um bom diálogo. Também precisamos todos os dias motivar a equipe. São pessoas que passam situações aflitivas e só vão realizar um bom trabalho se entenderem suas responsabilidades, a importância de sua função e forem tratadas com respeito.”


O coordenador dos cursos de MBA do Insper, Silvio Laban, conta que as disciplinas voltadas ao desenvolvimento de habilidades comportamentais se baseiam em métodos mais regulares. Na disciplina de negociação, um aluno negocia com outro com o propósito de testar e ampliar sua capacidade de persuasão e análise crítica. Por meio da técnica de “role playing”, é trabalhada uma simulação de papeis em que os dois indivíduos têm objetivos antagônicos, precisando vender uma ideia conforme seus interesses. A prática possibilita a avaliação comportamental, de modo que o aluno consiga enxergar quais seus pontos fortes e fracos quanto à habilidade de negociação. Já na disciplina dilemas da liderança, são trazidos filmes escolhidos para promover reflexão e discussão em sala de aula.


As últimas películas utilizadas em aula foram “Operação Valquíria” (2008), “12 Homens e uma Sentença” (1957), Ensaio de Orquestra (1978) e “A Onda” (2008).


Outra escola de negócios tradicional no país, a FIA (Fundação Instituição de Administração), divulgou por meio de sua assessoria de imprensa que está repensando o formato de aulas com “soft skills” e prepara novidades.


Avaliação e jogos

Medir a eficácia do aprendizado e o sucesso de uma habilidade comportamental também não é fácil para uma escola ou gestor. A abordagem mais aceita pelos especialistas é propor que um grupo faça uma avaliação conjunta e por meio de debates cheguem a uma conclusão mais consensual.


O Ise Business School, que é associado a Universidade de Navarra, por exemplo, utiliza em todas as disciplinas estudos de caso reais (nacionais ou de parcerias com a Espanha ou Harvard) e exige que os alunos se posicionem e tomem decisões sobre como resolveriam os problemas. Mas César Bullara, titular de gestão de pessoas do Ise, afirma que não faz avaliações com uma resposta fechada.


“Não existe apenas uma solução certa, existem matizes possíveis com diversos reflexos nas organizações. Cada aluno contribui com sua experiência de setores diferentes com vários caminhos possíveis. Mas o foco final é escolher uma alternativa após os debates”, diz.


O método “role playing” também é utilizado para simular os casos e toda a sala e os professores dão opiniões sobre o desempenho em características como autoconsciência, autogestão, empatia e administração de relacionamentos. São debatidos casos clássicos, como do ex-presidente-executivo da GE Jack Welch, que mudou vários mecanismos burocráticos e aplicou diversas inovações gerenciais, ou um caso real brasileiro de uma companhia com gestores apenas focados nos resultados e que não davam feedback para seus funcionários.


Na Fiap (Faculdade de Informática e Administração Paulista) as avaliações são feitas por meio de jogos no curso MBA de gestão de projetos. O professor Armando Oliveira conta que, por exemplo, os alunos têm que fazer o planejamento e execução de projetos como a construção de miniaturas de torres, domos e pontes.


“Nesse formato iniciado em 2006 procuramos avaliar os indicadores de entrega no prazo, custo e qualidade dos projetos. Mas também são dadas metas individuais, departamentais e organizacionais para que sejam desenvolvidas habilidades de comunicação, empatia, liderança e para estruturar parcerias entre os alunos”, comenta.


Para o coordenador do MBA da Unifei (Universidade Federal de Itajubá), Edson Pamplona, os “soft skills” são possíveis de serem assimilados por qualquer gestor, mas pondera que certas habilidades são mais inatas em algumas pessoas do que em outras. Para minimizar essas deficiências ele sugere muita observação, treino e também abertura para novas atividades.


Na escola uma dessas práticas inusitadas é dada na disciplina desenvolvimento de habilidades gerenciais, que trata de comunicação, gestão de conflitos, motivação e liderança se utilizando de dinâmicas como teatro e brincadeiras.


“Os alunos representam personagens em uma peça de teatro cada um com comportamentos diferentes. Nas dinâmicas há o uso intenso do que a docente Melânia Vaz chama de endorfina. Os alunos são endorfinados com atividades como danças, ioga, esportes e brincadeiras como estourar bolas de bexiga coladas na parte de traz dos cintos dos alunos. É interessante ver como os alunos, em sua maioria gerentes de várias empresas, viram novamente crianças. Logo após, são tiradas conclusões sobre o comportamento das pessoas.”




PING


Prática e contexto cultural formam líder, diz Insead


O Insead é a quarta melhor escola de negócios do mundo segundo ranking do jornal "Financial Times" e tem sede na França. Ela sempre teve uma característica global – sua primeira turma em 1960 tinha 52 estudantes de 14 países.


Segundo J. Neil Bearden, professor de ciências da decisão da Insead em Cingapura, os “soft skills” têm papel fundamental no mundo corporativo, mas seu ensino precisa de cautela. A escola, por exemplo, prepara as classes inicialmente com atividades como a construção de um playground em um orfanato para os alunos de várias partes do mundo se conhecerem melhor numa atividade prática.


Ele destaca que só a compreensão do contexto cultural ajuda a liderar, motivar e gerenciar.


Veja abaixo a entrevista completa.

Folha – Quando a escola iniciou o ensino de “soft skills”?

J. Neil Bearden - O ensino de "soft skills" acontece desde o início da escola, em 1957. Mas as aulas com “soft skills” têm crescido consideravelmente nesta década. Tem havido um crescente reconhecimento de que a gestão de pessoas é muitas vezes muito mais difícil do que, digamos, a gestão de inventário. Algumas pessoas têm facilidade quando se trata de lidar com os outros, enquanto algumas pessoas necessitam de algum treinamento para desenvolver essas habilidades. Nossos cursos ajudam a acelerar essa aprendizagem.


Em que disciplinas?

As chamadas "soft skills" são abordadas em disciplinas como o comportamento organizacional e negociações para decisões. Eu diria que há poucas áreas hoje que não cobrem essas habilidades de alguma forma. Com o crescimento das finanças comportamentais mesmo as aulas financeiras agora tocam em questões psicológicas.


Que métodos são utilizados nesse ensino?

Os estudos de caso, simulações e atividades em grupo são usados para ajudar a desenvolver essas habilidades sociais. São casos para gerar discussão em torno de temas importantes. As simulações ajudam a ilustrar princípios importantes em um ambiente relativamente controlado. E as atividades do grupo lançam os alunos em situações reais que exigem o verdadeiro exercício e desenvolvimento de suas habilidades sociais.


Mas não é difícil trabalhar com grupos de alunos tão diferentes?

Sim, mas nossos alunos de MBA passar por uma rigorosa preparação antes do início dos cursos em que eles têm de trabalhar juntos para realmente construir algo substancial. Eles têm, por exemplo, que construir playgrounds para um orfanato aqui em Cingapura. Isso exige um trabalho em equipe real e muita prática de habilidades comportamentais para trabalhar juntos, especialmente quando eles ainda não conhecem um ao outro muito bem.


Qual sua visão sobre a utilidade dos “soft skills” no mundo corporativo?

Há pesados custos associados com o não uso dos “soft skills”. Quando os funcionários se sentem tratados injustamente as empresas experimentam um maior volume de “turnover” (rotatividade), o que resulta em custos inflacionados de contratação e assim por diante. Esses empregados afetados também podem sofrer uma perda de moral, que por sua vez pode afetar negativamente o comprometimento e a produtividade. A equipe de gestão que se concentra muito na chamada linha de fundo e muito pouco sobre os sentimentos de seus funcionários está se comportando de uma maneira muito míope. Eles estão apenas sendo simplesmente mudos e surdos.


As habilidades comportamentais têm uma carga de significado muito subjetiva. Como ensinar isso adequadamente sem cair em lugares comuns?

Sim, é preciso ser cauteloso ao ensinar habilidades sociais. Um dos maiores riscos é tentar fornecer uma espécie de solução padrão que não está sendo sensível ao contexto cultural. Na Insead, enfatizamos a importância deste contexto e tentamos desenvolver gestores adaptativos, isto é, pessoas que tentam compreender os seus colegas e o seu contexto. Com um pouco de compreensão, o que muitas vezes requer apenas prestar atenção em um ambiente, tipicamente não é difícil de descobrir como liderar, motivar e gerenciar. O “soft skill” mais importante é saber o que os “soft skills” significam.



Entrevista com David Garvin, professor de administração de empresas na Harvard Business School

Junto com o professor Srikant Datar, fizeram uma pesquisa que ajudou dar respaldo as alterações do programa de MBA de Harvard. As mudanças foram encomendadas para o 100 º aniversário da escola em 2008.
Os professores David Garvin e Srikant Datar organizaram um workshop sobre "O Futuro da Educação MBA". O evento gerou amplas conversas com o corpo docente, bem como entrevistas com executivos e reitores de outras escolas de negócios do mundo e, finalmente, levou à publicação em 2010 de um livro, "Rethinking the MBA: Business Education at a Crossroads”, que também teve a participação do professor Patrick Cullen.
As principais conclusões foram que os graduados precisam ter uma mentalidade global, por exemplo, desenvolver habilidades de liderança como autoconhecimento e auto-reflexão e desenvolver uma compreensão dos papéis e responsabilidades das empresas, e as limitações dos modelos e mercados


Quando a escola começou a oferecer as disciplinas com soft skills em seu conteúdo?
Depende do que você quer dizer com soft skills. Questões interpessoais têm sido um grampo do currículo quase desde o início da escola. HBS foi fundada em 1908, em 1911, um curso foi oferecido em Política de Negócios, que analisou a melhor forma de resolver problemas de negócios do mundo real. Na década de 1940, um curso chamado Boas Práticas Administrativas foi construído em torno de uma série de dilemas interpessoais. Nós temos oferecido igualmente cursos de liderança por muitos anos. Mas o intenso foco em competências - dar e receber feedback, funcionando como um membro de uma equipe, levando a mudança a acontecer de fato - e a oferta de oportunidades explícitas para praticá-las é mais recente. Eles começaram a receber muito mais ênfase na década de 1980 e 1990 em cursos como liderança e comportamento organizacional, poder e influência, e outros, e se acelerou com a introdução do nosso programa Field (Programa de Desenvolvimento e Imersão em Liderança, em português) de dois anos atrás.



- Quantas disciplinas hoje tem conteúdos com soft skills? Quais são elas?
Liderança e comportamento organizacional, gestão geral, negociação e empreendedorismo, são disciplinas que têm um componente forte de soft skills, assim como o Field.



De que forma as disciplinas com conteúdo soft skills são ensinadas? Com estudos de caso? Simulações? Atividades esportivas?
Nós usamos múltiplas abordagens para o ensino de soft skills. Eu pessoalmente uso de estudos de caso, exercícios, dramatizações e simulações para ensinar habilidades sociais em meus processos de gestão geral e curso de ação. O Field depende muito de exercícios e simulações, bem como experiências em tempo real (por exemplo, trabalhar com uma empresa global para desenvolver um novo produto ou serviço, funcionando como um grupo de estudo e dando um ao outro feedback, trabalhando como uma equipe para desenvolver e lançar uma nova microempresa). Reflexão e autoconhecimento são grandes partes dessas atividades, uma vez que estão em nosso autêntico curso de desenvolvimento de liderança.



- Em seu livro  "Rethinking the MBA: Business Education at a Crossroads" o ensino de habilidades sociais também ganhou uma nova abordagem? As escolas de negócios aumentaram sua atenção para as habilidades sociais de que forma?
Argumentamos que soft skills requerem abordagens de aprendizagem experiencial, assim como a imersão em atividades que são representações razoavelmente precisas do mundo real das organizações e práticas de gestão. Palestras e debates por si só não ensinam efetivamente habilidades sociais.



- Para uma escola de negócios, ensinar os soft skills têm algumas precauções? O conteúdo do hard skills ainda prevalece? E provas de disciplinas com soft skills são mais abertas?
Ensinar habilidades sociais requer empatia por parte dos instrutores e alunos, porque as pessoas podem se machucar se essas atividades não são tratados com sensibilidade e bem pensadas. Os soft skills também muitas vezes envolvem questões pessoais e, às vezes, estas são melhor tratadas em privado, em vez de grupo ou sala de aula.