domingo, 29 de janeiro de 2012

Direto de Bruxelas: Dia decisivo

Em Bruxelas na Comissão Europeia (http://ec.europa.eu/), o órgão executivo da UE, a diretora-geral de comunicação do órgão, a portuguesa Margarida Marques, nos falou da espera apreensiva pelo dia 30 de janeiro. Nesse dia parte dos países europeus devem celebrar um acordo internacional para maior coordenação fiscal.

Inicialmente as discussões no ano passado pretendiam incluir todos os 27 países da União Europeia no pacto fiscal, mas não houve consenso total e o Reino Unido deve ficar de fora, alegando que um pacto fiscal traria mais desemprego. Na Finlândia também existem vozes contrárias a um acordo -  o partido Verdadeiros Finlandeses, anti-imigrantes de inspiração neonazista, teve um forte resultado eleitoral em abril passado e já manifestou publicamente que gostaria de abandonar as relações com a União Europeia se chegar ao poder.

Como se sabe há grande diferença entre os países da Europa em relação do déficit público em comparação com o PIB. Por exemplo: Alemanha 3%; Itália 5,3%; França 7,5%; Portugal 9,3%; Reino Unido 11,4%; Espanha 11,1%; e Grécia 15,4%.

Margarida disse que os mercados têm atacado com mais pressa a União Europeia do que a velocidade das ações implementadas para diminuir a crise. O acordo do dia 30, nas palavras dela, portanto deve trazer "mecanismos para o euro funcionar melhor de acordo com o mercado".

A homogeneização fiscal na Europa sempre foi um tabu e causou briga entre os países, já que nem todos tem bala na agulha ou lideranças políticas menos populistas para cortar gastos. O que está sendo sugerido é uma taxa máxima de déficit público em relação ao PIB de 3%, mas progressiva de acordo com cada país.

Outra importante mudança é que os países passariam a apresentar seus Orçamentos do ano que vem no primeiro semestre do ano corrente, desse modo a Comissão Europeia poderia analisar os números e sugerir mudanças. Também estão previstas sanções no pacto fiscal, ou seja, os países que gastarem demais teriam algumas ajudas canceladas, como a dos fundos estruturais.

Sobre a criítica do primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, de que o pacto fiscal trará desemprego, Margarida reconheceu esse risco e disse que isso representa um grande desafio. "Construir políticas sãs e criar empregos ao mesmo tempo é nosso grande desafio para os próximos anos", disse.

Nessa viagem vimos vários europeus admitirem que esperam cerca de dez de baixo crescimento ou mesmo recessão, tudo em nome de um planejamento para arrumar as finanças do continente e evitar a inflação. Por exemplo, em Mannheim na Alemanha no ZEW (Center for European Economic Research - http://www.zew.de/), um dos grandes think tank de economia do continente, o pesquisador Friedrich Heinemann falou abertamente que a "recessão é parte do ajuste".

Essa obsessão também tem uma explicação histórica: houve um momento na Europa em que o descontrole da hiperinflação trouxe consequências desastrosas, na Alemanha em 1923, quando Adolf Hitler começou a surgir e depois quase destruiu todo o continente. Esse fantasma ainda está na mente dos europeus e parece também guiar a condução da atual política econômica.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Direto de Luxemburgo: O escândalo da estatística

A crise econômica na Europa também colocou em xeque os mecanismos de controle contábeis da Europa. Por aqui os europeus que visitamos admitiram a fraude estatística da Grécia, fato que desastabilizou todo o mercado de venda de títulos públicos da zona do euro.

Estivemos em Luxemburgo no Eurostat (http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/), o equivalente na União Europeia ao nosso IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas com algumas grandes diferenças. O inglês Tim Allen (não é o comediante, acredite), que ocupa o cargo de porta-voz do órgão, nos explicou que o Eurostat trabalha processando os dados que são coletados pelos institutos nacionais de pesquisas de cada um dos 27 países da União Europeia. Todo mês são divulgados números muito importantes como de inflação, PIB e do temido déficit público.

Tudo lindo, mas na prática deu errado. Na Grécia o Partido Conservador Nova Democracia, de Kostas Karamanlis (2004-2009), prosseguiu e agravou a gastança do Partido Socialista que o precedeu no comando do país. Lembre que a Grécia sediou as Olimpíadas de 2004 e precisou despender muito dinheiro para isso.

Em outubro de 2009, época de eclosão da crise do Lehman Brothers, o controle do país voltou para o Partido Socialista, agora com o primeiro-ministro George Papandreou. Foi aí que veio a público que o verdadeiro déficit público do país, de 15,7% do PIB, era mais do que o dobro do informado pelo governo anterior.

Mas como um país que tem descontrole de gastos foi aceito em 2001 na zona do euro e permanece até hoje? Vale lembrar que o critério para entrar é ter déficit público anual máximo apenas de 3% do PIB.

Sobre essas diferenças tão escandalosas Tim Allen evitou falar em fraude. Para o Eurostat "não houve má fé" no caso. Hoje a opinião do órgão europeu é que o instituto nacional de pesquisas da Grécia na época do estouro de gastos públicos era sem organização para coletar dados, além disso, não teria havido tempo suficiente para a realização das pesquisas.

No entanto, outros órgãos da União Europeia que visitamos não foram tão condencentes com a Grécia. Na mesma Luxemburgo, na Corte Europeia de Auditores, o auditor Juss Bright criticou o fato de até hoje o escândalo estatístico da Grécia não ter sido punido e questionou a independência dos órgãos de estatística europeus.

Em Bruxelas, na Comissão Europeia, a portuguesa Margarida Marques, diretora-geral de comunicação do órgão, chegou afirmar que a "Grécia mentiu deliberadamente". Ela comentou que isso foi muito grave porque no desenho da União Europeia e da zona do euro há uma interdependência dos países, por exemplo, há muitos bancos europeus credores da Grécia e os grandes países exportadores da Europa como a Alemanha têm receio de que sua balança comercial piore com o esfriamento do continente.

Segundo Tim Allen, a situação da Grécia trouxe também mudanças. O Eurostat enviou representantes para aquele país e também passou a ter poder de intervir em institutos nacionais de pesquisa quando necessário.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Direto de Frankfurt: Dívida, juros e Alemanha

Hallo!
É o que todos dizem: os alemães se organizam muito bem. Ontem pude ver isso de perto numa instituição que está no olho da crise da dívida europeia.
Escrevo rapidamente sobre o dia 16 de janeiro, a visita em Frankfurt na Finance Agency (http://www.deutsche-finanzagentur.de/startseite/), um órgão privado contratado pela República Federal da Alemanha para gerir os juros dos títulos públicos alemães.
Nosso painel foi com Thomas Weinberg, o chief trader da Finance Agency. Ele é uma das pessoas que tem a imensa responsabilidade de lidar com a dívida pública da Alemanha, que é de 74,8% do PIB, ou cerca de um trilhão de euros.
A dívida dos países europeus hoje faz seus presidentes e chanceleres arrancarem os cabelos com tanta preocupação. Mesmo a Alemanha, economia mais forte da Europa e terceiro maior exportador do mundo, sofre com sua dívida alta.
Os governos de quase todos os países do mundo se financiam vendendo títulos públicos de suas dívidas, normalmente de longo prazo, 10, 20 anos. Se há muitos investidores interessados nesses títulos não há problema, a dívida é administrada e os governos nem precisam oferecer taxas de juros altas.
Mas como o endividamento da Europa está enorme países periféricos como Grécia e Portugal e até economias maiores como a Itália precisaram subir seus juros, o que no limite pode tornar as dívidas impagáveis e trazer o temido calote.
A Alemanha vem sendo bem aceita pelos investidores e mantém seu triple AAA na avaliação de risco, diferente da França que foi recentemente rebaixada. Mas o montante de dinheiro que a Alemanha precisa arrecadar é enorme.  Thomas Weinberg contou que apenas na quarta-feira, dia 18, a Alemanha precisaria levantar 5 bilhões de euros com a venda de títulos.
A Finance Agency tem o papel de negociar a venda dos títulos públicos alemães com os bancos e tentar baixar os juros. O que o governo quer é vender o máximo de títulos pelo maior valor possível. A venda é feita através de leilões.
Em novembro de 2011 a Alemanha já enfrentou problemas com a venda de títulos: a demanda ficou abaixo da oferta. Esses títulos ofereciam aos seus compradores uma remuneração de 1,98% ao ano.
Os governos culpam uma contaminação na zona do euro - as incertezas dos outros países sobre sua capacidade de pagamento acabam afetando o humor do investidor, que passa a desconfiar que as economias grandes vão ter sérios problemas num futuro próximo para honrar seus gastos.
E há razões para esse mau humor: a Grécia deve 138% de seu PIB e a Itália 119%. Segundo Weinberg, no final de março a Europa vai viver de novo fortes emoções quando vencerá um grande lote dívidas dos gregos. O país espera uma ajuda de 130 bilhões de euros do FMI para conseguir respirar.
A opinião de muitos economistas é que essa situação só se resolverá em conjunto, não adianta cada país vender individualmente seus títulos públicos. A solução seria a criação de eurobonds pelo Banco Central Europeu, assim esses títulos seriam garantidos por toda a União Europeia, que em cojunto soma um PIB de mais de 14 trilhões de euros.
Mas aí o chucrute alemão azeda. Weinberg foi taxativo: a criação de eurobonds hoje é impossível. A Alemanha como maior economia do continente ficaria com o maior prejuízo para pagar os eurobonds aos investidores. Para Weinberg os eurobonds só seriam viáveis se os países além da união monetária também tivessem união fiscal, enxugando em conjunto seus gastos públicos e melhorando sua arrecadação de impostos.
O fator político torna isso um monumental desafio. Os 17 países da zona do euro e os 27 da União Europeia deveriam chegar a um acordo e tomar decisões impopulares para um ganho só de longo prazo. Weinberg também citou o fator complicador das eleições na França neste ano - com Nicolas Sarkozy mal nas pesquisas ninguém sabe o que pode acontecer e o que novo governo vai propor.
Como bom alemão Weinberg só vê resolução definitiva desse problema no longo prazo, em décadas. Mas ele deixou a frieza de lado e disse no final que só a solidariedade dos países vai tirar o continente da crise, ou seja, todos terão que ceder. O cidadão de cada país terá que se sentir também europeu do que apenas italiano, grego, alemão, belga, inglês, francês, português, para aceitar e ajudar nas mudanças.
Auf Wiedersehen!