terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Profissão: testar o futuro


Sair na frente e criar uma ferramenta ou serviço tecnológico que seja comprado por milhões. Todas as companhias sonham com isso e investem em modelos de profissionais de TI (tecnologia da informação) que estão em alta no mercado de trabalho por serem uma espécie de “testadores do futuro”.

A Cisco, multinacional de soluções para redes e comunicações, por exemplo, abriu neste ano um centro de inovação no Rio de Janeiro que simula ambientes reais como um hospital, escola, sala de aula, plataforma de petróleo e centro de monitoramento de segurança pública. Por softwares e materiais trazidos de cada espaço são desenvolvidos novas formas de produtividade, monitoramento e usos sustentáveis.

O diretor de engenharia da Cisco, Marcelo Ehalt, 42, explica que, no caso dos hospitais, é estudado como melhorar o atendimento em uma maca pelo uso de atendimento remoto e equipamentos que medem em tempo real os sinais vitais de uma pessoa.

“Costumo dizer que agimos nas verticais, procurando novas formas de inserir melhorias em todos os processos de uma empresa parceira e sempre de olho nas transições de tecnologia, econômicas e sociais.”

Ehalt é formado em ciência da computação na PUC-PR e continua estudando até hoje em especializações, treinamentos, seminários e fóruns de discussão. “Isso é vital em nosso ramo de atuação porque temos que fazer parcerias com diferentes setores para criar as soluções”, completa.

Futuristas
O campo de atuação desses profissionais tecnológicos é muito mais desenvolvido nos EUA. Lá a Cisco chama de futurista o chefe de tecnologia da unidade de internet da companhia, Dave Evans. Ele é responsável por brincar e testar todos os “gadgets” (apetrechos eletrônicos) mais recentes do mercado para ajudar a criar dispositivos. Ele cursou ciências da computação e engenharia da computação na Universidade San José State. Em 23 anos de carreira ele previu e ajudou a desenvolver itens como a internet das coisas, impressoras 3D e carros que dirigem sozinhos. Atualmente ele aposta no surgimento de redes de dados baseadas em física quântica, que possibilitariam fazer computadores minúsculos e incrivelmente rápidos.

Também com um pé no futuro e atuando já no presente existem os profissionais especializados em “big data” (análise de grandes volumes de dados). Esse é um mercado considerado muito promissor em todo mundo. A consultoria Gartner prevê que os gastos globais com soluções nessa área alcançarão US$ 34 bilhões em 2013 e vão pular para US$ 232 bilhões em 2016.
A IBM no Brasil criou uma equipe especializada em big data e espera que esse mercado cresça até entre médias empresas. A explicação para essa demanda tão alta está na peculiaridade do que é fornecido: a análise de quantidades imensas de dados pode traçar perfis para o futuro e guiar melhor as decisões. Isso é chamado de modelagem preditiva, isto é, técnicas para aprender padrões ocultos em grandes volumes de dados históricos. Após ser validado, o modelo consegue generalizar o conhecimento aprendido e aplicá-lo a uma nova situação.

A gerente de análise de recursos naturais, Bianca Zadrozny, 36, por exemplo, fez trabalhos para diminuir os custos e aumentar a eficiência de uma fornecedora de energia. Foram analisados um longo histórico dos dados meteorológicos, de consumo de energia e dos hábitos dos consumidores. Com o cruzamento dessas informações foi possível descobrir qual seria a demanda aproximada em cada dia do ano e com isso ajustar o fornecimento e o planejamento.

“Os clientes trazem para nós só os problemas e cabe a nós buscar soluções depois de analisar os dados gerados pela própria companhia e os externos. É um trabalho em que entram as técnicas estatísticas e de tecnologia e também a criatividade e a abertura para trabalhar com várias áreas do conhecimento.”

O especialista máximo na função é chamado de cientista de dados. Muitas empresas também preferem aplicar o “big data” utilizando uma equipe multidisciplinar, formada por estatísticos, especialistas em TI para criar ferramentas de computação e os da área de design, responsáveis por traduzir visualmente as análises de dados. Zadrozny é formada em engenharia de computação na PUC-RJ e tem mestrado e doutorado na Universidade da California em “machine learning”, que são as técnicas para um computador aprender padrões a partir de dados lidos.

Valoriza-se também no profissional de big data saber programar em softwares de análises de dados como o Python, R e SAS.

Abertura para empreender
Essas novas carreiras de tecnologia também abrem a possibilidade de modelos de trabalho mais flexíveis em termos de horários e projetos. O diretor de empreendedorismo da Fiap, Marcelo Nakagawa, comenta que as inovações tecnológicas sempre criaram na história da humanidade novos setores e mercados e, por consequência, novas formas de trabalho. Para ele, o atual cenário se beneficia da mistura das possibilidades que a internet e as tecnologias móveis trazem.

“Temos muitos profissionais de tecnologia que hoje trabalham como autônomos e empreendedores mais facilmente por causa de um paradoxo: a tecnologia é muito presente na nossa sociedade, mas está cada vez mais invisível e vemos só seu resultado. Isso cria muita oportunidade para quem tem disposição em analisar as tecnologias e criar novos produtos e serviços.”

Uma das tecnologias invisíveis de hoje são os algoritmos (série de comandos matemáticos) nos códigos de programação dos sites de busca. Diariamente bilhões de pessoas usam eles para encontrar as mais variadas informações, que são ordenadas e ranqueadas pelos algoritmos. Uma informação ou produto bem colocada nos sites de busca pode representar lucros milionários para as marcas. Porém, o código dos algoritmos é secreto e demanda análises técnicas para ser decifrado em parte. O motor de buscas mais popular do mundo, o Google, por exemplo, lançou um novo algoritmo em setembro, o “Hummingbird” (beija-flor), sem informar muitos detalhes. Mas segundo analistas deve ser voltado para valorizar mais os conteúdos relevantes e buscas por voz e em dispositivos móveis.

Esses analistas são chamados de especialistas em SEO (search engine optimization ou otimização de motor de pesquisa). Fábio Ricotta, 28, começou há 10 anos a trabalhar com isso e acabou criando sua própria empresa, a Agência Mestre. Seu trabalho consiste em muitos testes de desempenho de sites nos motores de busca, fazendo a mudança de muitos títulos, palavras, textos, links e imagens para descobrir o que é melhor ranqueado ou procurado pelos internautas.

“Os algoritmos de busca são uma espécie de caixa preta. Com muito trabalho e até 'feeling' você acaba descobrindo como funcionam e antecipando tendências.”

Sua agência tem 43 pessoas e os trabalhos são feitos em regime de consultoria, com contratos em média de 12 meses. Os funcionários tem no mínimo dois dias de “home office” e o mercado também tem muitos que trabalham como “free-lancers”.

Ricotta é formado em ciência da computação pela Universidade Federal de Itajubá. Ele diz que é melhor que os profissionais de SEO tenham pelo menos conhecimentos de linguagem de programação, por isso a maioria tem formações como engenharia da computação e análise de sistemas, mas também conhece formados em advocacia, jornalismo e até odontologia que se apaixonaram pela área e procuraram cursos livres para se qualificarem.

Parcerias a com academia
Esse trabalho em busca de tecnologias do futuro é muito calcado nos países desenvolvidos em parcerias entre o setor privado e a academia. Por exemplo, John Krumm, pesquisador-chefe do Microsoft Research, que fica em Redmond (EUA), fez um trabalho ano passado com o pesquisador Adam Sadilek, do departamento de ciência da computação da Universidade de Rochester. Chamado de projeto “Far Out” ele consiste em acompanhar pessoas usando um dispositivo GPS e estudar a sua rotina. Com essas informações é possível "adivinhar" com precisão as suas localizações futuras. Isso deve ajudar a prever informações como aumentos populacionais, disseminação de doenças, problemas de tráfego e necessidades de banda larga.

Krumm afirma que mais pesquisas continuam a serem feitas, mas ainda não foram disponibilizados produtos ou serviços. O objetivo inicial era ver se é mesmo possível fazer previsões precisas, a longo prazo, o que poderia ser a base de muitas aplicações diferentes. Foram estudados os dados de GPS de 32.000 dias com 307 pessoas. Ele cita uma aplicação comercial de geolocalização, baseado na rota provável do usuário.

“Nós podemos fazer previsões mais precisas se olharmos menos de uma hora no futuro. Meus colegas e eu criamos também depois uma pesquisa focada em um aplicativo de busca móvel que utiliza a previsão de localização da pessoa no futuro. Quando você está se movendo em um veículo você pode procurar pizza e o programa vai mostrar os locais de venda que estão à sua frente em vez de para trás. Em todo o nosso trabalho de investigação sobre a previsão local, a nossa descoberta mais surpreendente é que as pessoas são realmente muito previsíveis.”

Para o professor Seiji Isotani, que atua na área de desenvolvimento de software e transferência de tecnologia do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP São Carlos, é praticamente indispensável que o profissional de tecnologia hoje busque se aproximar do setor privado desde a época de estudante, tanto para melhorar sua formação como para impulsionar sua carreira. Isso pode ser feito com a apresentação de projetos ou visitas em encontros comerciais ou de empreendedorismo.

Ele, por exemplo, estudou e trabalhou durante cerca de cinco anos no Japão e nos EUA e viu como essas parcerias são importantes. “A visão da necessidade de unir a computação com a engenharia, de criar sistemas embarcados nos mais variados produtos e até dos computadores vestíveis já são muito fortes no setor privado e ter conhecimentos disso ajuda muito o estudante.”

Para Isotani as universidades brasileiras de tecnologia estão em transformação para se adaptar a esse novo cenário, se abrindo mais ao setor privado, mudando seus currículos com aulas com alguns conteúdos das ciências humanas e criando aberturas multiculturais. “Mas ainda há avanços necessários. A burocracia ainda atrasa parcerias. Por exemplo, apenas a documentação para parcerias com uma indústria leva de seis a oito meses nas universidades e também os professores são impedidos de serem sócios em start-ups [empresas iniciantes de base tecnológica]”, ressalta.