quarta-feira, 6 de junho de 2012

Os impasses para solucionar a dívida da Europa


(Relato de viagem ao velho continente em janeiro)

No dia 16 de janeiro de 2012 nosso grupo fez uma visita em Frankfurt na Finance Agency, um órgão privado contratado pela República Federal da Alemanha para gerir os juros dos títulos públicos alemães.
Nosso painel foi com Thomas Weinberg, o chief trader da Finance Agency. Ele é uma das pessoas que tem a imensa responsabilidade de lidar com a dívida pública da Alemanha, que é de 74,8% do PIB, ou cerca de um trilhão de euros.
A dívida dos países europeus hoje faz seus presidentes e chanceleres arrancarem os cabelos com tanta preocupação. Mesmo a Alemanha, economia mais forte da Europa e terceiro maior exportador do mundo, sofre com sua dívida alta.
Os governos de quase todos os países do mundo se financiam vendendo títulos públicos de suas dívidas, normalmente de longo prazo, 10, 20 anos. Se há muitos investidores interessados nesses títulos não há problema, a dívida é administrada e os governos não precisam oferecer taxas de juros altas.
Mas como o endividamento da Europa está enorme, países periféricos como Grécia e Portugal e até economias maiores como a Itália e Espanha precisaram subir seus juros, o que no limite pode tornar as dívidas impagáveis e trazer o temido default (calote).
A Alemanha vem sendo bem aceita pelos investidores e mantém seu triple AAA na avaliação de risco, diferente da França que foi rebaixada no começo do ano. Mesmo com essas boas condições o montante de dinheiro que a Alemanha precisa arrecadar é enorme.  Thomas Weinberg contou que apenas na quarta-feira, dia 18, a Alemanha precisaria levantar 5 bilhões de euros com a venda de títulos.
A Finance Agency tem o papel de negociar a venda dos títulos públicos alemães com os bancos e tentar baixar os juros. O que o governo quer é vender o máximo de títulos pelo maior valor possível. A venda é feita através de leilões.
Em novembro de 2011 a Alemanha já enfrentou problemas com a venda de títulos: a demanda ficou abaixo da oferta. Esses títulos ofereciam aos seus compradores uma remuneração de 1,98% ao ano.
Os governos culpam uma contaminação na zona do euro - as incertezas dos outros países sobre sua capacidade de pagamento acabam afetando o humor do investidor, que passa a desconfiar que as economias grandes vão ter sérios problemas num futuro próximo para honrar seus gastos.
E há razões para esse mau humor: a Grécia deve 138% de seu PIB e a Itália 119%. A opinião de muitos economistas é que essa situação só se resolverá em conjunto, não adianta cada país vender individualmente seus títulos públicos. A solução seria a criação de eurobonds pelo Banco Central Europeu, assim esses títulos seriam garantidos por toda a União Europeia, que em cojunto soma um PIB de mais de 14 trilhões de euros.
Mas aí o chucrute alemão azeda. Weinberg foi taxativo: a criação de eurobonds hoje é impossível. A Alemanha como maior economia do continente ficaria com o maior prejuízo para pagar os eurobonds aos investidores. Para Weinberg os eurobonds só seriam viáveis se os países além da união monetária também tivessem união fiscal, enxugando em conjunto seus gastos públicos e melhorando sua arrecadação de impostos.
O fator político torna isso um monumental desafio. Os 17 países da zona do euro e os 27 da União Europeia deveriam chegar a um acordo e tomar decisões impopulares para um ganho só de longo prazo. Weinberg também citou o fator complicador das eleições na França neste ano. E realmente em maio Nicolas Sarkozy veio a perder sua cadeira de presidente para o socialista François Hollande, político que vem se mostrando muito contrário a políticas de austeridade.
Como bom alemão Weinberg só vê resolução definitiva desse problema no longo prazo, em décadas. Mas ele deixou a frieza de lado e disse no final que só a solidariedade dos países vai tirar o continente da crise, ou seja, todos terão que ceder. O cidadão de cada país terá que se sentir também europeu do que apenas um italiano, grego, alemão, belga, inglês, francês, português, para aceitar e ajudar nas mudanças.
Alemanha sob pressão
Este artigo é escrito em junho. Desde que retornamos ao Brasil a situação do euro veio se deteriorando e tem capítulos novos quase todas as semanas. Os mais recentes: a Grécia convocou novas eleições para 17 de junho para tentar, enfim, criar um governo que administre os atuais acordos de resgate ao país e tenha ao mesmo tempo respaldo popular e político (tarefa considerada mais dura que os 12 trabalhos de Hércules) e a Espanha vive uma grave crise bancária, sendo que a pior situação está no Bankia - terceiro maior banco espanhol em ativos – o qual precisa de 19 bilhões de euros para sanar suas perdas com empréstimos imobiliários.
Há um temor no mundo de que a Grécia abandone a moeda comum para voltar ao dracma. Em tese a antiga moeda grega poderia ser desvalorizada e estimular a fraca economia do país. Na situação atual o euro tem sua política monetária controlada pelo Banco Central Europeu e por isso os gregos são obrigados a vender seus produtos e serviços com um câmbio alto, o que retira boa parte da competitividade do país. E sem estimular sua economia a Grécia fica cada vez mais sem força para vender seus títulos. Mas então por que a Grécia não diz logo adeus ao euro? As dívidas do país são tão altas que seria uma catástrofe para bancos e governos credores uma ruptura abrupta com um inevitável calote. O custo da saída da Grécia da zona do euro é estimado em 1 trilhão de euros.
A Espanha também tem uma situação frágil. O país teve déficit orçamentário de 8,5% no ano passado e mesmo assim fará um leilão de bônus do Tesouro para levantar os recursos para o pacote de socorro de 19 bilhões de euros que será concedido ao Bankia. O fundo de socorro bancário da Espanha tem hoje apenas cerca de 9 bilhões de euros e os títulos da dívida do país com vencimento em dez anos alcançaram no final de maio o pico na taxa de 6,7%, se aproximando cada vez mais do nível de 7%, patamar considerado insustentável por analistas. Cresce então a possibilidade de um pedido de socorro internacional, como ocorreu com Grécia, Portugal e Irlanda.
O grande problema é que a Espanha não é um país pequeno como esses três. Um resgate para a Grécia, com 10% do PIB de sua economia, custaria algo como 23 bilhões de euros. Já uma ajuda de longo prazo para a Espanha, segundo analistas, poderia atingir até 300 bilhões de euros, valor extremamente difícil de ser levantado porque o FMI e a União Europeia já possuem programas de ajuda em andamento para outras nações. Por tudo isso já existem movimentos na Espanha que defendem também que o país abandone o euro e retorne para a peseta.
Esses graves fatos aumentam a pressão na Alemanha e em outros países mais ricos na zona de euro, como Finlândia e Holanda, os quais vêm se posicionando contra assumir mais responsabilidades por problemas financeiros dos parceiros mais fracos. Nos últimos meses grandes forças da Europa e do mundo passaram a defender os eurobonds e mais integração dos bancos.
O líder da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, o português José Manuel Barroso, pediu que os 17 países do euro façam uma união bancária para permitir que seu fundo de resgate, o Mecanismo Europeu de Estabilidade, empreste diretamente a bancos vulneráveis - em vez de obrigar o país de origem da instituição a negociar um pacote de socorro, ação que pioraria mais as finanças do país. A Comissão Europeia defende também um fundo pan-europeu de garantia de depósitos. Vale citar que paralelo a essas demandas o órgão executivo também foi duro com os países ao recomendar que os 27 da União Europeia diminuam seus déficits orçamentários para 3% do PIB, tarefa dificílima para a maioria das nações.
Outra pressão para mudanças vem do próprio Banco Central Europeu. Seu presidente Mario Draghi pediu uma autoridade mais centralizada para supervisionar os bancos com problemas, como o espanhol Bankia e o Dexia na Bélgica. Atualmente, a maioria dos poderes para regular os bancos está com as autoridades nacionais; o regulador regional existente na União Europeia, a Autoridade Bancária Europeia, possui poderes limitados.
Já a defesa dos eurobonds está vindo de líderes como o primeiro-ministro da Itália Mario Monti, do presidente francês François Hollande e recentemente do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. Em entrevista ao “The Wall Street Journal” o norte-americano argumentou que o continente europeu terá um longo caminho de incertezas por causa de fatores como a redução lenta da dívida e a volatilidade nos preços do petróleo e de outras commodities. Nesse cenário a emissão de algum tipo de títulos da zona do euro daria apoio a países mais fragilizados e acalmaria os mercados. “Seria um erro voltar ao tipo de estímulo de 2008, que foi de infraestrutura pesada, farra de investimentos e ampliação do crédito”, acrescentou.
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, se manifestou pela primeira vez favorável aos eurobonds em maio, mas com ressalvas. Ela quer essa alternativa apenas para países que precisam de investimentos urgentes de infraestrutura e ainda condicionou essa opção a um pacto fiscal entre os países.
O novo pacto fiscal foi aprovado no final de janeiro, pouco depois de nosso grupo retornar para o Brasil, em uma cúpula dos países da União Européia. Seu objetivo é garantir que a zona do euro seja um sistema de moeda estável. O tratado introduz regras mais duras de disciplina fiscal e força os países a adotar políticas econômicas coordenadas. Também busca melhorar o modo como as nações lidam com a zona do euro, fortalecendo o sistema de governança. Porém, o pacto fiscal precisa ser ratificado por cada país em separado. Durante a cúpula em janeiro, o Reino Unido e a República Checa foram os únicos entre os 27 países do bloco europeu que não assinaram o tratado fiscal. Esse documento precisa ser aprovado por 12 dos 17 países da zona do euro para entrar em vigor.
Há muita pressão contrária na Europa contra a aprovação do pacto fiscal, como na França e Irlanda (este último só aprovou o pacto através de um referendo). E até na Alemanha, de novo, Angela Merkel mostrou sinais de recuo para conseguir aprovar o pacto fiscal. Para conseguir o apoio da oposição social-democrata e dos verdes ela anunciou em junho um pacote de medidas para fomentar o crescimento econômico e a criação de emprego na União Europeia. Merkel sugere em seu plano medidas como o aumento de 10 bilhões de euros do capital do Banco Europeu de Investimentos e de 15 bilhões de euros de sua capacidade de crédito anual, e apoiou também o plano da Comissão da UE de utilizar uma grande parte de seu orçamento, cerca de 7,3 bilhões de euros, na luta contra o desemprego juvenil e a usar meios do Fundo Social Europeu para a formação profissional nos países em crise.
Já o Banco Central Europeu tem dado declarações mais moderadas de mudança. Em junho o membro do Conselho Executivo do BCE  Joerg Asmussen afirmou que o pacto fiscal da Europa não deve ser renegociado nem suavizado, mas pode ser complementado com medidas para aumentar o crescimento.
Como se vê num continente com vários países com situação econômica, líderes políticos e histórias tão diferentes, as mudanças, mesmo que sejam para tentar o melhor, são lentas. Foi algo que durante nossa viagem a diretora-geral de comunicação da Comissão Europeia, a portuguesa Margarida Marques, nos falou em Bruxelas no dia 20 de janeiro.
Ela explicou que os mercados têm atacado com mais pressa a União Europeia do que a velocidade das ações implementadas para diminuir a crise. O pacto fiscal, nas palavras dela, deve trazer "mecanismos para o euro funcionar melhor de acordo com o mercado".
A homogeneização fiscal na Europa sempre foi um tabu e causou briga entre os países, já que nem todos têm bala na agulha ou lideranças políticas menos populistas para cortar gastos. O que está sendo sugerido é uma taxa máxima de déficit público em relação ao PIB de 3%, mas progressiva de acordo com cada país.
Outra importante mudança é que os países passariam a apresentar seus Orçamentos do ano que vem no primeiro semestre do ano corrente, desse modo a Comissão Europeia poderia analisar os números e sugerir mudanças. Também estão previstas sanções no pacto fiscal, ou seja, os países que gastarem demais teriam algumas ajudas canceladas, como a dos fundos estruturais.
Sobre a crítica do primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, de que o pacto fiscal trará mais desemprego, Margarida reconheceu esse risco e disse que isso representa um grande desafio. "Construir políticas sãs e criar empregos ao mesmo tempo é nosso grande desafio para os próximos anos", disse.
Nessa viagem vimos vários europeus admitirem que esperam cerca de dez de baixo crescimento ou mesmo recessão, tudo em nome de um planejamento para arrumar as finanças do continente e evitar a inflação. Por exemplo, em Mannheim na Alemanha no ZEW (Center for European Economic Research), um dos grandes think tank de economia do continente, o pesquisador Friedrich Heinemann falou abertamente que a "recessão é parte do ajuste".
Essa obsessão também tem uma explicação histórica: houve um momento na Europa em que o descontrole da hiperinflação trouxe consequências desastrosas, na Alemanha em 1923, quando Adolf Hitler começou a surgir e depois quase destruiu todo o continente. Esse fantasma ainda está na mente dos europeus e parece também guiar a condução da atual política econômica.
Mas o agravamento da crise na Grécia e Espanha e o discurso mais moderado dos líderes europeus sugerem que a austeridade deve perder gradualmente espaço para medidas que apóiem mais crescimento e integração. Resta saber duas coisas: essas novas medidas virão a tempo e, principalmente, se vão funcionar.

domingo, 3 de junho de 2012

Análise da cobertura do Valor Econômico sobre as mudanças das regras da caderneta de poupança



No dia 4 de maio de 2012 o jornal “Valor Econômico” fez uma grande cobertura sobre
as mudanças das regras da caderneta de poupança anunciadas um dia antes pelo ministro da
Fazenda Guido Mantega. O tema foi manchete geral do periódico, “Poupança muda e juro real
cai a 2,45%, o menor desde o Plano Real”, e internamente recebeu oito textos (dois de opinião
e seis reportagens) em cinco páginas diferentes.

O conjunto foi bem favorável ao governo federal porque ressaltou os possíveis
benefícios das medidas e também porque a manchete e um dos textos apontaram um valor, o
juro real, que foi calculado com base numa previsão de inflação em 12 meses e que também
não era novidade desde o último boletim Focus. Além disso, os textos trouxeram críticas aos
bancos, reproduzindo discursos da presidente Dilma Rousseff ou mesmo críticas diretas do
jornal.

A cobertura iniciou com um texto de uma das principais jornalistas do Valor, Claudia
Safatle, na página A2, local em que ela é colunista. A diretora adjunta de redação deu o título
para seu texto de “Tempos difíceis para os bancos”, no qual faz ataques pesados aos grandes
bancos brasileiros. Ela cita que os bancos, desde os “primórdios da atividade financeira” no
mundo são mal vistos. Faz isso para ligar com a atual “cruzada” que a presidente Dilma faz
contra os bancos ao lembrar e reproduzir trechos dos discursos da presidente no
pronunciamento em rádio e TV no 1º de Maio e na posse do novo ministro do Trabalho,
Brizola Neto. Dilma vem reclamando que os bancos não podem cobrar mais juros altos porque
a Selic está em queda, a economia está estável e a inadimplência não é alta.

O texto enumera as razões para as mudanças das regras da caderneta de poupança ou
sua antecipação: a piora externa nas últimas semanas, a demora da economia brasileira em
mostrar recuperação e a consequente brecha para novos cortes da Selic. Também é citado que
a presidente Dilma vem criticando as margens cobradas pelo sistema bancários – os spreads,
calculados pela diferença entre as taxas de captação e as de aplicação dos bancos.

Por fim os argumentos contrários aos bancos brasileiros são encerrados com a
afirmação de que “há um oligopólio no setor”. É citado que os cinco maiores bancos do país
(BB, Caixa, Bradesco, Itaú e Santander) têm 76% dos depósitos. Apenas no último parágrafo
são enumeradas reivindicações do setor bancário para o governo com o objetivo de derrubar
os juros: alta carga tributária, elevados compulsórios, além de uma série de medidas que
melhorariam as garantias dos financiamentos. Mas o texto diz na última frase que as
demandas devem ser respondidas “se elas forem procedentes”.

Os próximos textos estão na capa do caderno de Finanças. O texto principal tem o
título de “Governo muda remuneração da poupança e tira ‘trava’ da Selic”. Ao explicar as

mudanças, o texto diz que a remuneração da caderneta de poupança tem um “gatilho”:
sempre que a taxa básica de juros (Selic) for igual ou menor que 8,5% ao ano, os novos
depósitos da poupança serão corrigidos por 70% da Selic, que hoje está em 9% ano ano. As
aplicações já existentes permanecem com a regra atual: juros fixos de 0,5% ao mês (6,17% ao
ano) mais a variação da TR (Taxa de Referência). A isenção de Imposto de Renda permanecerá.

O texto afirma ainda que “a regra de remuneração da poupança deixa de ser uma
trava para a queda da taxa de juros no país” e que os 26 empresários que estiveram com a
presidente antes da divulgação das medidas “aplaudiram a iniciativa do governo de reduzir
os juros, pressionar os bancos para reduzirem os spreads e pediram que a ‘guerra’ se estenda
para o alongamento do crédito”.

No pé da página há reproduções de uma nota divulgada pelo presidente do Banco
Central, Alexandre Tombini, no texto “Para Tombini, medida se adapta ao novo cenário”. É
ressaltado que Tombini afirmou que a intenção das medidas é “remover resquícios herdados
do período de inflação alta”. Segue outra reprodução da nota: “Ao tempo que preserva
integralmente os depósitos já feitos, a medida adapta a caderneta de poupança ao novo
cenário brasileiro e com isso consolida as bases para o crescimento econômico sustentável”.
Ele também destacou que as mudanças não afetarão a popularidade da caderneta de
poupança.

Em outra página continua a cobertura no texto “Selic perde ‘piso’ com nova
poupança”. É citado que o mercado de juros futuros nos dias anteriores à divulgação já vinha
sinalizando que esperava as mudanças – os contratos sugerem taxa básica entre 8% e 8,25%.

E só nesse texto aparece, sem destaque, a menção da taxa real de 2,45% mostrada
na manchete geral: “Considerando-se a inflação projetada em 12 meses do último Focus, de
5,53%, o país tem uma taxa de juros real de 2,45%, nova mínima histórica”. Desse modo, ao
que parece, esse dado só foi pinçado para deixar mais forte a manchete principal, mas não é
novo nem um fato consolidado, é uma previsão.

Prosseguindo, em outra página há o texto “Banco teme descasamento entre caderneta
e crédito”. É o mais analítico da cobertura e avalia o impacto das medidas no financiamento
imobiliário. É citado que a adoção de uma taxa variável para os financiamentos à habitação já
se apresenta no setor imobiliário, mesmo com o ministro da Fazenda negando qualquer
mudança na forma como são feitos os financiamentos.

A explicação é que quando a Selic chegar a 8,5% ao ano e a TR zerar automaticamente,
incidirá sobre os contratos de crédito imobiliário somente o juro previamente pactuado. É
especulado que caso os contratos de financiamentos não sejam alterados “os bancos
mantenham uma ‘gordura’ na taxa cobrada dos clientes, para absorver possíveis choques no
custo de funding”. Ou seja, um descasamento entre passivo e ativo.

Outro cenário suposto é uma eventual perda de atratividade da poupança. Mas seus
efeitos são minimizados porque o compulsório de 30% sobre os depósitos em poupança
recolhido pelo Banco Central poderia servir como um “colchão” numa migração brusca de
recursos.

A perspectiva final não é boa para o financiamento imobiliário, tanto para os
mutuários como para os bancos: “Na avaliação de analistas de mercado e até de técnicos do
governo, a oscilação constante da remuneração embute "risco adicional" aos contratos de até
30 anos, dificultando o repasse integral de uma redução dos juros. Os bancos temem uma
elevação da taxa básica de juro no longo prazo e, com isso, ter uma redução de seus ganhos.
Portanto, a nova rentabilidade da caderneta de poupança poderá limitar uma queda mais
brusca nas taxas de juros praticadas nos financiamentos imobiliários”.

O próximo texto trata do contexto político das mudanças na caderneta de
poupança, "Governo conta com uma rápida votação da MP". A Medida Provisória das
mudanças precisa passar pelo Congresso, pois sua validade termina em setembro. O governo
tem medo que o processo eleitoral e a CPI de Carlinhos Cachoeira atrapalhem a votação.

Mas o texto conta que no dia do anúncio das novas regras os 15 partidos aliados que
participaram da reunião com a presidente foram unânimes em manifestar apoio. São
reproduzidas falas do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), que elogiaram
muito Dilma Rousseff: “O governo sabe muito bem o que fazer. A presidente deu segurança
grande. Ela estava muito determinada, convencida e convincente".

Apenas um político da oposição foi ouvido, no último parágrafo, o líder do PSDB na
Câmara, Bruno Araújo (PE): "Para o governo, é mais fácil mexer no dinheiro do cidadão em vez
de cortar na própria carne e diminuir os elevados impostos".

Em outra página, mais um texto técnico, “Pressão sobre fundos ‘caros’ continua”. Ele
fala sobre a disputa entre fundos de investimento e poupança pela melhor rentabilidade. Com
a redução da Selic praticada nos últimos meses muitos fundos de renda fixa já perdiam para a
caderneta de poupança. Segundo o texto, as mudanças nas regras da poupança
apenas “aliviam marginalmente a situação dos fundos de investimento que cobram altas taxas
de administração”.

Segundo levantamento do economista Marcelo d’Agosto, do blog O Consultor
Financeiro do portal Valor, cerca de 40% dos fundos DI e de renda fixa distribuídos no varejo
vão continuar perdendo da poupança. Com o juro de hoje – 9% ao ano – praticamente metade
dessas carteiras rendem menos do que a caderneta.

O texto cita uma opinião em off de um “executivo responsável por uma das maiores
gestoras do país”, o qual afirma que as mudanças na caderneta de poupança tiveram um
caráter preventivo para evitar uma fuga de recursos dos fundos de investimento de tal forma
que comprometesse a gestão da dívida pública. Isso porque boa parte dos vencimentos de
títulos públicos são rolados via Letras Financeiras do Tesouro (LTF), papéis indexados à Selic
que estão nas carteiras dos fundos de curto prazo, DIs e de renda fixa. Como dito, para o Valor
Data, as medidas do governo não vão salvar todos os fundos: “fundos com taxa de
administração ao redor de 1,5% vão perder na ‘nova’ poupança em qualquer prazo de
aplicação se a Selic cair a 8,5% ao ano”.

Também é dito que o governo federal, após a campanha para reduzir os spreads na
concessão de crédito, vai tentar “forçar uma queda das taxas de administração”. Os meios

para isso são as ofensivas dos bancos públicos, com a Caixa Econômica Federal e o Banco do
Brasil reduzindo suas taxas para tentar forçar uma competição com os bancos privados.

Segundo comentário do economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa,
todo esse cenário pode trazer também uma mudança na indústria de fundos, fazendo com que
boa parte dos recursos que estão hoje em DIs migrem para investimentos de maior risco,
como multimercados, fundos de crédito privado e ações.

Finalmente, o último texto é de análise, “Urnas darão o termômetro da cruzada contra
os juros altos”. Raymundo Costa afirma que as mudanças na caderneta de poupança
desagradam e causam apreensão “sobretudo por ser decidida à moda antiga, sem discussão
prévia no Congresso”.

O jornalista também usa o espaço para contrabalancear a cobertura e fazer uma
pequena defesa dos bancos e até lembra o temido Plano Collor e seu confisco de contas
de poupança: “A exemplo do congelamento dos depósitos, no Plano Collor, o anúncio da
mudança de regra no rendimento da caderneta de poupança também poderia ser feito de
outra maneira. Do jeito que foi, abriu uma demanda com forte viés ideológico em relação
aos bancos. Em ano eleitoral, como é 2012, um político típico não joga trabalhador contra
banqueiro. Mas a presidente brasileira não é o que se pode chamar de um político típico”.

É o texto com as críticas mais duras ao governo federal: “Trata-se tão somente de
uma questão econômica que precisa ser muito bem explicada à população, que tem razões de
sobra para desconfiar quando o governo resolve estabelecer novas regras para o seu dinheiro.
Gato escaldado tem medo de água fria: sempre existe a possibilidade de perda”.

A “cruzada contra os juros altos” é classificada como uma aposta da presidente Dilma
Rousseff para ter sua marca nas eleições de 2014. E nomeada como uma “aposta de risco”.

Comentário

Os textos de maior destaque na cobertura das mudanças na caderneta de poupança
foram mais favoráveis ao governo federal, tanto por criticar os bancos como por trazer mais
espaço para políticos da base governista, além do dado não novo e estimado de juro real de
2,45%. As medidas poderiam ter sido mais criticadas.

A cobertura também poderia ter trazido uma análise sobre o funcionamento das novas
regras e sua eficácia. Por exemplo, o jornalista Luís Nassif em seu site apontou a necessidade
de regras que estimulassem o aumento da liquidez da poupança: “Esperava-se que o
Ministério da Fazenda sofisticasse um pouco mais nas regras da poupança. No mercado
financeiro, há alguns princípios básicos para as aplicações, em torno do trinômio segurança,
rentabilidade e liquidez. Se uma aplicação tem liquidez (isto é, pode ser sacada em intervalos
curtos) e segurança, não precisa ter rentabilidade elevada. Se tem rentabilidade, pode abrir
mão da liquidez. Se quiser rentabilidade e liquidez, abre-se mão da segurança. Como a
poupança é um investimento de alta liquidez (pode ser sacada a cada mês ou no meio do mês,
perdendo apenas a remuneração mensal), servindo de servindo de funding para

financiamentos de longo prazo, teria sido mais razoável estimular o fator liquidez. Isto é,
oferecer rentabilidade maior para aplicações de prazo mais largo. Seguir-se-ia a lógica
financeira e se estimularia a permanência maior dos depósitos, transformando-se,
efetivamente, em uma aplicação de longo prazo.”

Contudo, vale lembrar que os textos técnicos na cobertura do Valor Econômico sobre
o financiamento imobiliário e sobre os rendimentos de fundos foram bem analíticos e de boa
qualidade.