quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O corte do Orçamento de 2011 – sem prioridades e sem transparência



INTRODUÇÃO
Este presente trabalho analisa resultados do corte do Orçamento do governo federal de 2011. Foi anunciado um corte recorde de R$ 50 bilhões no orçamento federal de 2011, o equivalente a 1,2% do PIB.

PROBLEMA
É feito uma análise do corte do Orçamento do governo federal de 2011 até o mês de abril, que mostra seu contexto, objetivos, resultados parciais e situação recente do tema no país.
Pretende-se discutir se os cortes são mesmo realizados até o final dos anos marcados, em que áreas principalmente são feitos e o contexto político que os envolvem.

DESCRIÇÃO
 O Corte de 2011
No dia 9 de fevereiro de 2011, o governo federal anunciou um corte recorde de R$ 50 bilhões no orçamento federal de 2011, o equivalente a 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto).
O corte foi detalhado pelos ministros no dia 28 de fevereiro. Do corte total de R$ 50 bilhões, R$ 15,8 bilhões se darão em despesas obrigatórias.
As razões apontadas para aparente corte tão grande foram:
1) Porque o Congresso Nacional inflou as receitas, e consequentemente as despesas, em mais de R$ 20 bilhões na peça orçamentária de 2011. A relatora do orçamento federal, senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), divulgou no final do ano passado relatório que informa elevar em R$ 22,4 bilhões a previsão de receita líquida da peça orçamentária deste ano.
O relatório da senadora prevê, também, um aumento de cerca de R$ 200 milhões nas despesas com pessoal e encargos sociais, de cerca de R$ 8,1 bilhões nas “outras despesas correntes” (custeio, previdência e transferências constitucionais e legais), além de mais R$ 12,1 bilhões nos gastos com investimentos.
Segundo ela, a previsão de investimentos subiu em virtude das “emendas parlamentares apresentadas durante a tramitação da proposta no âmbito do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social”.
A previsão de receitas totais dos orçamentos fiscal e de seguridade social subiu de R$ 1,262 trilhão, na proposta encaminhada pelo Ministério do Planejamento ao Congresso Nacional em meados de 2010, para R$ 1,287 trilhão no relatório da senadora. A estimativa de despesas subiu em igual proporção, visto que os números são iguais aos da previsão de receitas. Ambos cresceram cerca de R$ 25 bilhões.

2) porque o governo federal decidiu cortar os estímulos dados à economia no período de crise financeira mundial. Assim declarou o ministro Guido Mantega no dia 9 de fevereiro:
“Estamos revertendo todos os estímulos que fizemos para a economia brasileira entre 2009 e 2010 por conta da crise financeira internacional. Nos últimos anos, o governo fez desonerações, concedeu subsídios e aumentou seus gastos. Isso foi muito bem sucedido, pois o país saiu rapidamente da crise. Hoje, está com a economia crescendo, com demanda forte. E já estamos retirando esses incentivos”, declarou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Os objetivos posteriores pretendidos com o corte no orçamento são permitir a queda da taxa de juros e combater as pressões inflacionárias. “Quando for o momento, não agora com a inflação neste patamar, mas quando for oportuno, o BC fará a redução de juros. A consolidação não é o tradicional ajuste fiscal que derruba a economia e que leva a uma retração do investimento e do emprego”, ressaltou Mantega.

 Histórico recente de cortes
Antes de 2011, o maior bloqueio anunciado no orçamento federal havia ocorrido no início de 2010, quando R$ 21,8 bilhões (0,63% do PIB no início daquele ano) foram contingenciados. No decorrer do ano passado, o governo cortou mais R$ 10 bilhões em gastos no orçamento, mas, no decorrer do ano, liberou boa parte dos valores bloqueados (cerca de R$ 23 bilhões).
Na proporção com o PIB, o maior corte aconteceu em 2003, quando foram contingenciados R$ 14,3 bilhões, ou 0,91% do PIB estimado no início do ano. Naquele momento, o novo governo, do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu sob forte desconfiança dos mercados e elevou o superávit primário para mandar um sinal positivo aos economistas.
Para 2011, o ministro Mantega já anunciou que a intenção do governo é de não reverter os cortes anunciados. Entretanto, não assegurou que os cortes não serão revertidos. "A nossa intenção é manter até o fim do ano, mas nada impede que haja alguma mudança pontual nesse quadro, mesmo porque, a cada bimestre temos de rever a arrecadação, como está indo a despesa. É diferente de outros anos quando você contingenciava e depois devolvia os recursos. Será mais drástico neste ano [o ajuste fiscal]", disse o ministro.

 Detalhamento do corte de 2011
No dia 28 de fevereiro os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) detalharam o corte de R$ 50 bilhões.
Os maiores cortes ficaram nos ministérios de Cidades, Defesa e Turismo.
Ao todo, o corte deve chegar a R$ 50,087 bilhões. As despesas obrigatórias serão reduzidas em R$ 15,76 bilhões, enquanto as despesas discricionárias cairão R$ 36,2 bilhões.
As previsões de despesas com os créditos extraordinários foram elevadas para R$ 3,5 bilhões neste ano. Já as estimativas para receita foram reduzidas para R$ 18,08 bilhões.
“Essa redução de despesas e mais as outras medidas que o governo está tomando, como a fixação do salário mínimo em R$ 545, o aumento da taxa de juros e as medidas prudenciais, não significam uma mudança da política econômica do governo”, disse Mantega, no início do anúncio.
Segundo o ministro da Fazenda, a política econômica está “apenas na sendo adaptada aos novos tempos que estamos vivendo”. “Não viramos ortodoxos”, disse.
De acordo com Miriam Belchior, o corte nas despesas discricionárias garantirá a preservação do investimento e dos principais programas sociais. Ela disse que, em termos percentuais, os maiores cortes estão nos ministérios de Turismo e Esportes. Em valores nominais, no entanto, os ministérios de Cidades (R$ 8,5 bilhões), Defesa (R$ 4,3 bilhões) e Turismo (R$ 3 bilhões) terão as maiores perdas.
Belchior disse que o corte de R$ 8,5 bilhões no Orçamento do Ministério das Cidades é “uma redução grande”. “Deve-se, fundamentalmente, a emendas e a um ajuste no programa 'Minha Casa, Minha Vida', porque o Congresso ainda não aprovou o projeto que cria a segunda fase.” De acordo com a ministra, o programa contará com R$ 7,6 bilhões neste ano, um crescimento de R$ 1 bilhão frente ao observado em 2010.
“Estamos na trajetória correta, reduzindo as despesas públicas e retomando os patamares pré-crise, quando fazíamos um superávit confortável, que permitia a redução das dívidas”, completou Mantega.
Segundo os ministros, o corte não vai "derrubar" a economia brasileira, mas ajustá-la a um patamar de crescimento "sustentável", na faixa dos 5% ao ano.
"O crescimento do PIB deve ficar em torno de 7,5% em 2010, é uma aceleração excessiva para a economia brasileira. Então, estamos conduzindo a economia para um patamar mais sustentável, em torno de 5%. Crescer a 7,5% por um tempo longo pode criar gargalos, e gerar problemas inflacionários", explicou Mantega.
Apesar de afirmar que as despesas com os programas sociais e com os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) serão integralmente mantidos, o governo anunciou que o corte de despesas no Orçamento deste ano irá afetar fortemente o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.
Como dito acima, o programa terá uma contenção de mais de R$ 5 bilhões nos repasses do governo, o que representa 40% de corte, passará de R$ 12,7 bilhões para R$ 7,6 bilhões. A ministra espera que isso ocorra em abril.
"Ainda assim, o orçamento do programa para este ano está R$ 1 bilhão maior do que ocorreu no ano passado, quando houve a maior parte das contratações do Minha Casa", afirmou a ministra. "Não cortamos nenhum centavo dos investimentos do PAC nem dos gastos com programas sociais."
De acordo com a ministra, a redução de despesas com pessoal é referente às contratações em concursos públicos, que não serão feitas. Já os valores referentes ao abono salarial, às despesas previdenciárias e ao seguro-desemprego referem-se ao pente-fino contra fraudes.

 Resultado do corte em março de 2011
No dia 26 de abril de 2011, o Tesouro Nacional apresentou os resultados de março com a expectativa de já refletirem o corte do Orçamento. As contas do governo central (que inclui Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registraram superavit (economia de recursos para o pagamento dos juros da dívida) de R$ 9,1 bilhões em março. Esse resultado é maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando o resultado do governo central apresentou déficit de R$ 4,5 bilhões.
O gasto público mostrou o primeiro reflexo efetivo do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, contabilizando uma queda nominal de 17,9% em comparação a igual mês de 2010.
Em março, as contas do Tesouro, da Previdência e do Banco Central registraram um superávit de R$ 9,1 bilhão, levando o resultado acumulado do primeiro trimestre a R$ 25,8 bilhões. Com isso, o governo superou a meta prevista para o quadrimestre, de R$ 22,9 bilhões.
O comportamento da despesa foi determinante para essa performance. Enquanto no primeiro trimestre de 2010 o gasto público aumentou 19,3% em termos nominais frente a 2009, entre janeiro e março deste ano esse ritmo esfriou para 7,1%, também sem descontar a inflação.
O Tesouro Nacional, segundo o secretário Arno Augustin, fixou limites mensais de verbas para os ministérios e esses é que tiveram que fazer adequações e cortar despesas. A menor liberação de recursos provocou redução no ritmo de expansão dos gastos com transferências de benefícios, custeio, subsídios e com o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), entre outros. No primeiro trimestre, o gasto com pessoal teve crescimento de 3,6% sobre idêntico período do ano passado, um ritmo, portanto, inferior ao aumento de 7% registrado no primeiro trimestre de 2010 contra 2009.
Ao apresentar o resultado fiscal de março durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo está "cumprindo à risca o corte de despesa estabelecido no início do ano e cumprindo com folga as metas para o ano". Mantega antecipou que em abril a poupança fiscal do governo central será superior a de março. "Em abril, teremos superávit alto e devemos nos aproximar de quase 50% de toda a meta de primário de 2011", informou.
Em março, o Tesouro contribuiu para o resultado com um superávit de R$ 12,3 bilhões. Já a Previdência e o Banco Central tiveram déficit de, respectivamente, R$ 3,1 bilhões e R$ 10,7 milhões. A receita total de março foi de R$ 73,5 bilhões, enquanto as despesas somaram R$ 32,5 bilhões. No trimestre, a arrecadação totalizou R$ 231,390 bilhões e os gastos somaram R$ 163,6 bilhões.
O secretário do Tesouro lembrou que, diferente do ano passado, quando a economia precisava de estímulos para crescer, a política fiscal agora será no sentido evitar pressões inflacionárias.
“Agora queremos equilibrar o crescimento econômico no que achamos melhor para o Brasil. Há uma contribuição do fiscal neste período para termos um crescimento equilibrado para que não haja pressão inflacionária”, declarou.

 Resultado do corte em abril de 2011
No dia 26 de maio de 2011 foram apresentados os resultados de abril. O governo central cumpriu mais da metade da meta anual de superávit primário de R$ 81,7 bilhões nos quatro primeiros meses do ano. Com a economia de R$ 15,6 bilhões em abril, o governo contabilizou superávit primário de R$ 41,5 bilhões até abril, enquanto a meta para esse período era de apenas R$ 22,9 bilhões. Somente em abril, o superávit primário do Governo Central foi de R$ 15,6 bilhões, o que representa um crescimento de 71,4% em relação ao mesmo mês no ano passado.
Entre janeiro e abril, a receita líquida totalizou R$ 264,5 bilhões, com alta real de 3,5% sobre a expansão nominal da economia. Em proporção ao PIB, a participação das receitas atingiu 16%.
A despesa somou R$ 222,9 bilhões. Em proporção ao PIB, a participação da despesa ficou em 9,7%, percentual inferior aos 18,4% registrados em 2010. A meta de superávit primário de todo o setor público é de R$ 117,9 bilhões para este ano, sendo R$ 81,7 bilhões do governo central e R$ 36,16 bilhões de responsabilidade de Estados e municípios.
O secretário do Tesouro, Arno Augustin, ressaltou que o objetivo do governo Dilma Rousseff não é fazer excesso de superávit. “Não estamos trabalhando com mudança de meta”, enfatizou. “Se Estados, municípios e estatais tiverem déficit, ou superávit menor que o previsto, o governo central compensará para que a meta consolidada do setor público seja cumprida”, assegurou o secretário.
Na apresentação do governo chamaram a atenção informações sobre queda do investimento público, tendência a partir de agora de superávits mensais menores, aumento de algumas despesas e arrecadação em alta.
1 - Investimento público - a expansão do investimento público nos quatro primeiros meses de 2011, comparada a 2010, baixou substancialmente. Em janeiro de 2011 frente a janeiro de 2010, o aumento do investimento foi de 85%. Baixou para 25% em fevereiro diante do mesmo mês do ano passado. Foi decrescendo progressivamente de forma que na comparação do quadrimestre deste ano em relação a igual período de 2010, o crescimento foi de apenas 5%. Quando o governo anunciou o contingenciamento de R$ 50 bilhões nos gastos deste ano, havia dito que o investimento não seria afetado.
Ao comentar a queda no ritmo de crescimento do investimento, Augustin disse que o investimento reagirá nos próximos meses. “As despesas de investimentos variam muito de um mês para o outro. Não há problema maior nisso, é normal que em alguns meses o investimento seja menor. Nossa previsão para o ano é de crescimento significativo, acima do PIB nominal”, estimou o secretário.
2 – Superávits menores - O Tesouro Nacional também divulgou que espera a partir de agora, superávits mensais menores do que os produzidos até abril. “Trabalhamos no primeiro trimestre com a necessidade forte de fazer um superávit fiscal bastante intenso, em função do ritmo da economia”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin.
Os gastos foram contidos para ajudar a moderar a atividade econômica, que estava pressionando a inflação. Agora, com a economia girando a um ritmo mais baixo, o quadro é diferente. “Ao longo do ano, teremos crescimento do investimento”, garantiu o secretário. “Os superávits tendem a ser menores do que no início do ano.”
3- Aumento de despesas – O gasto público teve queda real de 2,1% em comparação ao PIB nominal. Desembolsos com subsídios, benefícios assistenciais, investimentos e com o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalho) registraram retração real em relação ao PIB nominal. Mas entre as despesas que aumentaram constam os gastos com pessoal, que demandaram R$ 59,4 bilhões nos quatro primeiros meses ante R$ 53,5 bilhões em idêntico período de 2010. Entre as despesas que mais subiram estão aquelas com pessoal (11%) e custeio (10,4%).
4 – Arrecadação alta - Os quatro primeiros meses foram favorecidos por uma arrecadação tributária alta, resultado do crescimento dinâmico entre o fim de 2010 e início de 2011 e, também, pelo recolhimento do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esses dois tributos incidentes sobre o lucro das empresas refletiram os balanços positivos do ano passado. Também merece destaque a boa arrecadação de tributos influenciados pela massa salarial, a exemplo da contribuição previdenciária e do Imposto de Renda sobre Rendimentos do Trabalho. No acumulado do ano, as receitas do Governo Central somaram R$ 264,5 bilhões e cresceram 16% em relação a 2010.

 Análise do BC do quadrimestre
No dia 31 de maio de 2011, o Banco Central divulgou dados de todo o superávit primário até abril (governo central, Estados e cidades). O setor público já cumpriu 49% da meta de superávit primário fixada para o ano, de R$ 117,8 bilhões. A economia feita pelo governo central, Estados e municípios antes do pagamento de juros somou R$ 57,3 bilhões até abril, valor 45% superior ao resultado do mesmo período de 2010. É o maior resultado para o primeiro quadrimestre do ano desde 2008, segundo dados divulgados pelo BC.
O saldo foi obtido mesmo com a queda de 11% do superávit primário em abril, se comparado ao mesmo mês de 2010, para R$ 18,053 bilhões - sendo R$ 15,220 bilhões do governo central e R$ 2,624 bilhões de Estados e municípios. De acordo com o BC, abril é um mês sazonalmente positivo por causa do aumento da arrecadação com o pagamento do Imposto de Renda.
Nos últimos dois anos, o setor público registrou, até abril, um superávit equivalente a menos de 40% da meta total (35% em 2010 e 39% em 2009). Antes da crise, no entanto, o país vinha sistematicamente economizando mais no primeiro quadrimestre do ano. O resultado em 2008 foi de 68% da meta até abril. Em 2007 havia sido de 60% e, em 2006, de 50% da meta.


ANÁLISE
 Análises sobre o conceito de Orçamento e seus usos
O orçamento público é uma das bases para a organização do Estado. Por meio dele são controladas as despesas e previstas as receitas. Como aponta Abrucio e Loureiro (2004):

“O orçamento é um instrumento fundamental de governo, seu principal documento de políticas públicas. Através dele, os governantes selecionam prioridades, decidindo como gastar os recursos extraídos da sociedade e como distribuí-los entre diferentes grupos sociais, conforme seu peso ou força política.” (p. 89)

Os autores apontam em relação ao sistema orçamentário brasileiro que ele se caracteriza por ter a concentração do poder decisório nas mãos do Executivo, particularmente no momento de sua execução, e pela pouca transparência do processo.
Todavia Abrucio e Loureiro (2004) também ressaltam que o sistema orçamentário brasileiro após a Constituição de 1988 já conta com melhores instrumentos de organização, como o PPA (Plano Plurianual), LDO (Leis de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei Orçamentária Anual), que permitem em tese uma participação maior do Legislativo.
Na prática essa participação ainda é reduzida e o controle do Orçamento fica quase todo nas mãos do Executivo, inclusive servindo para “jogos políticos” devido a seu alto poder de contingenciamento. Os autores também reconhecem o “pouco interesse” do Legislativo:

“O fato é que a capacidade do Poder Legislativo de tomar decisões no processo orçamentário e impô-las ao Executivo é limitada e está sujeita a negociações (às vezes individuais) para a liberação das emendas aprovadas. (...) Como o orçamento tem caráter apenas autorizativo e não impõe obrigatoriedade de executar as verbas aprovadas pelo Legislativo, cabe ao Executivo tomar decisões sobre o momento de liberação das verbas e o percentual a ser executado, o qual não pode atingir o limite total autorizado pelo Congresso. O contingenciamento dos recursos orçamentários, permitido pelo caráter autorizativo da peça aprovada pelos congressistas, representa enorme insulamento de decisões centrais de políticas públicas nas mãos da burocracia, limitando consideravelmente a responsabilização do poder público.
Como decorrência dessas características, o próprio processo de planejamento orçamentário fica comprometido, revelando uma enorme distância entre as regras e a realidade efetiva do jogo político no orçamento. O pouco interesse dos parlamentares na apreciação do PPA e da LDO, indicado pelo baixo número de emendas apresentadas nessa etapa, é revelador do esvaziamento dessas funções.” (págs. 92 e 93)

Analisando o sistema orçamentário brasileiro, Vignoli (2004) mostra também que ele poderia e deveria ser usado com o contingenciamento ou mais destinação de verbas durante um ano fiscal de uma forma natural, desde que mantivesse prioridades estabelecidas antes:

“Em complemento, é importante frisar que o Orçamento não se constitui uma ‘camisa de força’ que engessa a execução orçamentária. Ele pode e deve ser alterado ao longo de sua execução, sempre que a situação assim o exigir. Tais alterações podem ser necessárias em função de mudanças da conjuntura econômica que exijam uma adequação dos gastos ao novo nível de arrecadação, ou ainda, em função de incorreções no orçamento (falhas de programação). (...) Nesse sentido, somente o efetivo acompanhamento e, principalmente, a adequada avaliação da execução orçamentária é que poderão determinar o replanejamento, o qual deverá, preferencialmente, guardar estreita relação com as prioridades estabelecidas anteriormente.” (p. 379)

Arvate (2004) fez também um estudo interessante sobre como o processo orçamentário influencia o resultado fiscal. Ele apresenta pesquisas mundiais sobre o tema que analisam países organizados dessa maneira:
1 – Com controle da expansão do governo a partir do orçamento;
2 – Com controle a partir do Legislativo;
3 – Com controle orçamentário sobre os ministros “gastadores – não o da Fazenda ou o primeiro-ministro, no caso do Parlamento – antes que submetam seus gastos ao governo como um todo;
4 – Com subordinação ao primeiro-ministro ou ministro das Finanças, comitês etc. dos demais ministros antes de realizarem os gastos – hierarquia nos gastos.
Ele aponta que os resultados de análises de 19 países da OECD de 1974 a 1995 mostraram benefícios, ainda que pequenos, da hierarquia e transparência no trato com os orçamentos e que no Brasil ainda não há dados ou pesquisas abrangentes sobre esses controles:

“Quanto mais hierarquizado/transparente, ou uma combinação deles, for o governo, mais controle existiria sobre o resultado fiscal. O que lamenta apenas é que o resultado das variáveis nunca tenha sido significante. (...) Infelizmente, no Brasil, não possuímos nada semelhante aos trabalhos apresentados para podermos incluí-los na nossa regressão.” (p. 144)

 Política econômica e gastos orçamentários recentes
Neste ano de 2011 começou o governo da presidente Dilma Rousseff. Ela foi a candidata do ex-presidente que a sucedeu, Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma foi também ex-ministra das Minas e Energia e da Casa Civil do governo Lula e manteve no governo federal nomes fortes da política econômica, como Guido Mantega, ministro da Fazenda, e Miriam Belchior, atual ministra do Planejamento e que no governo Lula foi gestora do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) dentro da Casa Civil.
Por essa razão vale citar alguns fatos econômicos do governo Lula que envolveram a política orçamentária. Em linhas gerais foi mantida a política ortodoxa do presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso. A política monetária durante o primeiro mandato de Lula foi conduzida por Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco de Boston no Brasil e presidente mundial do BankBoston; ele tinha sido eleito deputado federal pelo PSDB e renunciou para assumir a presidência do Banco Central. Essa política teve o decidido apoio do então ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho, que deixou o cargo em 2006 após um escândalo político.
NAKATANI e OLIVEIRA (2010) apontam que no primeiro mandato de Lula a taxa real de juros do país foi mantida como a mais alta do mundo, mesmo com críticas de impactos negativos como o aumento do endividamento interno. Seguiu-se a isso o aperto nos gastos em 2003:

“Alheio a esses argumentos e convertido ao credo ortodoxo, o governo Lula ainda propôs ao FMI um aumento superávit primário de 3,75% do PIB para 4,25%, sem que nenhuma exigência do Fundo tenha sido feita para tal medida, e realizou, em seus dois primeiros anos de governo, um superávit fiscal efetivo superior ao prometido. Para tanto, cortou sistematicamente recursos de custeio e investimento, agravando ainda mais as precárias condições de infraestrutura do Brasil. Contudo, o argumento de que essa elevação do superávit conduziria à expressiva redução da dívida, com o País melhorando as condições de promover reduções nos juros, não se comprovou.” (págs. 40 e 41)

Os superávits continuaram grandes em 2004 (4,18% do PIB), 2005 (4,35%) e 2006 (3,88%). No segundo mandato de Lula (2007-2010) os autores apontam que houve uma “flexibilização da política fiscal” para acomodar no orçamento maiores recursos públicos contemplados no PAC.
Mesmo assim Ferreira (2010) lembra que a partir da década de 1990 a política econômica no Brasil segue basicamente a mesma toada da defesa dos ajustes fiscais, “colocando como meta a consecução de um equilíbrio fiscal que permitiria, no médio prazo, uma eliminação do déficit público”, tido pelos governos recentes como representante da “ineficiência alocativa por parte do governo”.

 Análise dos resultados de 2011
Os números apresentados pelo Tesouro Nacional mostram que o corte de R$ 50 bilhões está sendo executado realmente. O governo central cumpriu mais da metade da meta anual de superávit primário de R$ 81,7 bilhões nos quatro primeiros meses do ano. Com a economia de R$ 15,6 bilhões em abril, o governo contabilizou superávit primário de R$ 41,5 bilhões até abril, enquanto a meta para esse período era de apenas R$ 22,9 bilhões.
Mas cabe aqui lembrar que quem faz a meta é a própria equipe econômica, ou seja, naturalmente não seria um número impossível de ser atingido. No quadrimestre, houve um crescimento de R$ 14,8 bilhões (35,1%) no superávit do Tesouro Nacional
Entretanto, existiram despesas que aumentaram como os gastos com pessoal, que demandaram R$ 59,4 bilhões nos quatro primeiros meses ante R$ 53,5 bilhões em idêntico período de 2010. Entre as despesas que mais subiram estão aquelas com pessoal (11%) e custeio (10,4%). No primeiro quadrimestre de 2010 foram gastos R$ 69,6 bilhões e no primeiro quadrimestre deste ano R$ 75,2 bilhões de custeio e capital. São os tipos de gastos que recebem muitas críticas de economistas, por representarem um Estado inchado, pouco eficiente e mais propício a ter usos políticos.
E a expansão do investimento público, que normalmente é bem visto, nos quatro primeiros meses de 2011, comparada a 2010, baixou substancialmente. Foi decrescendo progressivamente de forma que na comparação do quadrimestre deste ano em relação à igual período de 2010, o crescimento foi de apenas 5%. O motivo apresentado foi o combate à inflação neste ano.
Há uma corrente de economistas que também critica o uso das verbas do Tesouro Nacional para fins que prejudicariam o cumprimento do Orçamento. O economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Mansueto Almeida divulgou alguns levantamentos na mídia neste ano em que questiona o dinheiro do Tesouro para o BNDES. Segundo ele, até o final de 2011 o estoque de crédito do governo ao BNDES alcançará R$ 315 bilhões, sendo que cinco anos atrás era inferior a R$ 10 bilhões.
A crítica de Mansueto é que para fortalecer o BNDES o Tesouro emitiu títulos pelos quais paga a taxa de mercado, mas esse dinheiro é emprestado pelo BNDES pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), bem mais baixa e atualmente em 6% ao ano. Essa diferença entre taxas de juros é bancada pelos cofres federais, num subsídio cujo valor é desconhecido.


CONCLUSÕES
Até este período do ano de 2011 e com base em experiências recentes, a impressão que se tem é que o uso do Orçamento federal no Brasil tem várias falhas.
O contingenciamento costuma não ser obedecido e o Executivo faz disso um uso político, principalmente em anos eleitorais. Em relação a esse primeiro quadrimestre o governo federal já admitiu que a tendência a partir de agora será de superávits mensais menores. A arrecadação em alta e a inflação em viés de baixa (no boletim Focus o mercado vem prevendo uma inflação menor neste ano, 6,22% na previsão no início de junho) são as justificativas. Isso denota a linha desenvolvimentista do governo.
Segundo o ministro da Fazenda, a política econômica está “apenas na sendo adaptada aos novos tempos que estamos vivendo”. “Não viramos ortodoxos”, disse ele. Aí poder-se-ia pensar que há um lado positivo - o governo voltará a gastar com investimentos, que no começo deste ano foram baixos. Sem dúvida é bom, porém, a outra promessa do governo além de derrubar a inflação, derrubar os juros, certamente ficará comprometida com a volta dos gastos em investimentos, já que a dívida pública será pouco abatida. E onde deveria se cortar, gastos com pessoal e custeio, continuam subindo, provável sinal de falta de gestão adequada e uso político.
No Brasil recente os “anúncios de cortes” no Orçamento e superávits também têm um valor intangível. É a construção da confiança. O governo precisa sinalizar ao mercado financeiro que não é gastador. Porém, o mesmo alarde do “anúncio do corte” na mídia e entre economistas e mercado não é igual ao longo do ano no acompanhamento desse corte. Como este presente trabalho mostra “não há dados ou pesquisas abrangentes sobre esses controles” orçamentários no Brasil ainda.
No início de março, o governo editou também uma medida provisória que permitia o repasse de R$ 55 bilhões ao BNDES. Esse acompanhamento de gastos do Tesouro com o BNDES e seus reflexos no Orçamento ainda é pouco divulgado ou carece de mais dados. A impressão é que o Orçamento federal tem poucas prioridades (ou muitas e, desse modo, nenhuma) e é pouco transparente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRUCIO, Fernando Luiz e LOUREIRO,Maria Rita. Finanças públicas, democracia e accountability. In: Economia do Setor Público no Brasil, BIDERMAN, Ciro e ARVATE, Paulo, orgs. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.

ARVATE, Paulo. Instituições e resultados fiscais do governo federal brasileiro. In: Economia do Setor Público no Brasil, BIDERMAN, Ciro e ARVATE, Paulo, orgs. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.

FERREIRA, Mariana Ribeiro Jansen. Financeirização: impacto nas prioridades de gasto do Estado – 1990 a 2007. In: O Brasil sob a nova ordem, MARQUES, Rosa Maria e FERREIRA, Mariana Ribeiro Jansen, orgs. São Paulo, Saraiva, 2010.

NAKATANI, Paulo e OLIVEIRA, Fabrício Augusto. Política econômica brasileira de Collor a Lula: 1990-2007. In: O Brasil sob a nova ordem, MARQUES, Rosa Maria e FERREIRA, Mariana Ribeiro Jansen, orgs. São Paulo, Saraiva, 2010.

VIGNOLI, Francisco Humberto. Legislação e execução orçamentária. In: Economia do Setor Público no Brasil, BIDERMAN, Ciro e ARVATE, Paulo, orgs. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004.

Site do Tesouro Nacional: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/resultado.asp

Noticiário econômico sobre o tema dos jornais “Folha de S.Paulo”, “Valor Econômico”, “O Estado de S.Paulo” e “O Correio Braziliense” e da revista “Exame”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário