domingo, 3 de junho de 2012

Análise da cobertura do Valor Econômico sobre as mudanças das regras da caderneta de poupança



No dia 4 de maio de 2012 o jornal “Valor Econômico” fez uma grande cobertura sobre
as mudanças das regras da caderneta de poupança anunciadas um dia antes pelo ministro da
Fazenda Guido Mantega. O tema foi manchete geral do periódico, “Poupança muda e juro real
cai a 2,45%, o menor desde o Plano Real”, e internamente recebeu oito textos (dois de opinião
e seis reportagens) em cinco páginas diferentes.

O conjunto foi bem favorável ao governo federal porque ressaltou os possíveis
benefícios das medidas e também porque a manchete e um dos textos apontaram um valor, o
juro real, que foi calculado com base numa previsão de inflação em 12 meses e que também
não era novidade desde o último boletim Focus. Além disso, os textos trouxeram críticas aos
bancos, reproduzindo discursos da presidente Dilma Rousseff ou mesmo críticas diretas do
jornal.

A cobertura iniciou com um texto de uma das principais jornalistas do Valor, Claudia
Safatle, na página A2, local em que ela é colunista. A diretora adjunta de redação deu o título
para seu texto de “Tempos difíceis para os bancos”, no qual faz ataques pesados aos grandes
bancos brasileiros. Ela cita que os bancos, desde os “primórdios da atividade financeira” no
mundo são mal vistos. Faz isso para ligar com a atual “cruzada” que a presidente Dilma faz
contra os bancos ao lembrar e reproduzir trechos dos discursos da presidente no
pronunciamento em rádio e TV no 1º de Maio e na posse do novo ministro do Trabalho,
Brizola Neto. Dilma vem reclamando que os bancos não podem cobrar mais juros altos porque
a Selic está em queda, a economia está estável e a inadimplência não é alta.

O texto enumera as razões para as mudanças das regras da caderneta de poupança ou
sua antecipação: a piora externa nas últimas semanas, a demora da economia brasileira em
mostrar recuperação e a consequente brecha para novos cortes da Selic. Também é citado que
a presidente Dilma vem criticando as margens cobradas pelo sistema bancários – os spreads,
calculados pela diferença entre as taxas de captação e as de aplicação dos bancos.

Por fim os argumentos contrários aos bancos brasileiros são encerrados com a
afirmação de que “há um oligopólio no setor”. É citado que os cinco maiores bancos do país
(BB, Caixa, Bradesco, Itaú e Santander) têm 76% dos depósitos. Apenas no último parágrafo
são enumeradas reivindicações do setor bancário para o governo com o objetivo de derrubar
os juros: alta carga tributária, elevados compulsórios, além de uma série de medidas que
melhorariam as garantias dos financiamentos. Mas o texto diz na última frase que as
demandas devem ser respondidas “se elas forem procedentes”.

Os próximos textos estão na capa do caderno de Finanças. O texto principal tem o
título de “Governo muda remuneração da poupança e tira ‘trava’ da Selic”. Ao explicar as

mudanças, o texto diz que a remuneração da caderneta de poupança tem um “gatilho”:
sempre que a taxa básica de juros (Selic) for igual ou menor que 8,5% ao ano, os novos
depósitos da poupança serão corrigidos por 70% da Selic, que hoje está em 9% ano ano. As
aplicações já existentes permanecem com a regra atual: juros fixos de 0,5% ao mês (6,17% ao
ano) mais a variação da TR (Taxa de Referência). A isenção de Imposto de Renda permanecerá.

O texto afirma ainda que “a regra de remuneração da poupança deixa de ser uma
trava para a queda da taxa de juros no país” e que os 26 empresários que estiveram com a
presidente antes da divulgação das medidas “aplaudiram a iniciativa do governo de reduzir
os juros, pressionar os bancos para reduzirem os spreads e pediram que a ‘guerra’ se estenda
para o alongamento do crédito”.

No pé da página há reproduções de uma nota divulgada pelo presidente do Banco
Central, Alexandre Tombini, no texto “Para Tombini, medida se adapta ao novo cenário”. É
ressaltado que Tombini afirmou que a intenção das medidas é “remover resquícios herdados
do período de inflação alta”. Segue outra reprodução da nota: “Ao tempo que preserva
integralmente os depósitos já feitos, a medida adapta a caderneta de poupança ao novo
cenário brasileiro e com isso consolida as bases para o crescimento econômico sustentável”.
Ele também destacou que as mudanças não afetarão a popularidade da caderneta de
poupança.

Em outra página continua a cobertura no texto “Selic perde ‘piso’ com nova
poupança”. É citado que o mercado de juros futuros nos dias anteriores à divulgação já vinha
sinalizando que esperava as mudanças – os contratos sugerem taxa básica entre 8% e 8,25%.

E só nesse texto aparece, sem destaque, a menção da taxa real de 2,45% mostrada
na manchete geral: “Considerando-se a inflação projetada em 12 meses do último Focus, de
5,53%, o país tem uma taxa de juros real de 2,45%, nova mínima histórica”. Desse modo, ao
que parece, esse dado só foi pinçado para deixar mais forte a manchete principal, mas não é
novo nem um fato consolidado, é uma previsão.

Prosseguindo, em outra página há o texto “Banco teme descasamento entre caderneta
e crédito”. É o mais analítico da cobertura e avalia o impacto das medidas no financiamento
imobiliário. É citado que a adoção de uma taxa variável para os financiamentos à habitação já
se apresenta no setor imobiliário, mesmo com o ministro da Fazenda negando qualquer
mudança na forma como são feitos os financiamentos.

A explicação é que quando a Selic chegar a 8,5% ao ano e a TR zerar automaticamente,
incidirá sobre os contratos de crédito imobiliário somente o juro previamente pactuado. É
especulado que caso os contratos de financiamentos não sejam alterados “os bancos
mantenham uma ‘gordura’ na taxa cobrada dos clientes, para absorver possíveis choques no
custo de funding”. Ou seja, um descasamento entre passivo e ativo.

Outro cenário suposto é uma eventual perda de atratividade da poupança. Mas seus
efeitos são minimizados porque o compulsório de 30% sobre os depósitos em poupança
recolhido pelo Banco Central poderia servir como um “colchão” numa migração brusca de
recursos.

A perspectiva final não é boa para o financiamento imobiliário, tanto para os
mutuários como para os bancos: “Na avaliação de analistas de mercado e até de técnicos do
governo, a oscilação constante da remuneração embute "risco adicional" aos contratos de até
30 anos, dificultando o repasse integral de uma redução dos juros. Os bancos temem uma
elevação da taxa básica de juro no longo prazo e, com isso, ter uma redução de seus ganhos.
Portanto, a nova rentabilidade da caderneta de poupança poderá limitar uma queda mais
brusca nas taxas de juros praticadas nos financiamentos imobiliários”.

O próximo texto trata do contexto político das mudanças na caderneta de
poupança, "Governo conta com uma rápida votação da MP". A Medida Provisória das
mudanças precisa passar pelo Congresso, pois sua validade termina em setembro. O governo
tem medo que o processo eleitoral e a CPI de Carlinhos Cachoeira atrapalhem a votação.

Mas o texto conta que no dia do anúncio das novas regras os 15 partidos aliados que
participaram da reunião com a presidente foram unânimes em manifestar apoio. São
reproduzidas falas do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), que elogiaram
muito Dilma Rousseff: “O governo sabe muito bem o que fazer. A presidente deu segurança
grande. Ela estava muito determinada, convencida e convincente".

Apenas um político da oposição foi ouvido, no último parágrafo, o líder do PSDB na
Câmara, Bruno Araújo (PE): "Para o governo, é mais fácil mexer no dinheiro do cidadão em vez
de cortar na própria carne e diminuir os elevados impostos".

Em outra página, mais um texto técnico, “Pressão sobre fundos ‘caros’ continua”. Ele
fala sobre a disputa entre fundos de investimento e poupança pela melhor rentabilidade. Com
a redução da Selic praticada nos últimos meses muitos fundos de renda fixa já perdiam para a
caderneta de poupança. Segundo o texto, as mudanças nas regras da poupança
apenas “aliviam marginalmente a situação dos fundos de investimento que cobram altas taxas
de administração”.

Segundo levantamento do economista Marcelo d’Agosto, do blog O Consultor
Financeiro do portal Valor, cerca de 40% dos fundos DI e de renda fixa distribuídos no varejo
vão continuar perdendo da poupança. Com o juro de hoje – 9% ao ano – praticamente metade
dessas carteiras rendem menos do que a caderneta.

O texto cita uma opinião em off de um “executivo responsável por uma das maiores
gestoras do país”, o qual afirma que as mudanças na caderneta de poupança tiveram um
caráter preventivo para evitar uma fuga de recursos dos fundos de investimento de tal forma
que comprometesse a gestão da dívida pública. Isso porque boa parte dos vencimentos de
títulos públicos são rolados via Letras Financeiras do Tesouro (LTF), papéis indexados à Selic
que estão nas carteiras dos fundos de curto prazo, DIs e de renda fixa. Como dito, para o Valor
Data, as medidas do governo não vão salvar todos os fundos: “fundos com taxa de
administração ao redor de 1,5% vão perder na ‘nova’ poupança em qualquer prazo de
aplicação se a Selic cair a 8,5% ao ano”.

Também é dito que o governo federal, após a campanha para reduzir os spreads na
concessão de crédito, vai tentar “forçar uma queda das taxas de administração”. Os meios

para isso são as ofensivas dos bancos públicos, com a Caixa Econômica Federal e o Banco do
Brasil reduzindo suas taxas para tentar forçar uma competição com os bancos privados.

Segundo comentário do economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa,
todo esse cenário pode trazer também uma mudança na indústria de fundos, fazendo com que
boa parte dos recursos que estão hoje em DIs migrem para investimentos de maior risco,
como multimercados, fundos de crédito privado e ações.

Finalmente, o último texto é de análise, “Urnas darão o termômetro da cruzada contra
os juros altos”. Raymundo Costa afirma que as mudanças na caderneta de poupança
desagradam e causam apreensão “sobretudo por ser decidida à moda antiga, sem discussão
prévia no Congresso”.

O jornalista também usa o espaço para contrabalancear a cobertura e fazer uma
pequena defesa dos bancos e até lembra o temido Plano Collor e seu confisco de contas
de poupança: “A exemplo do congelamento dos depósitos, no Plano Collor, o anúncio da
mudança de regra no rendimento da caderneta de poupança também poderia ser feito de
outra maneira. Do jeito que foi, abriu uma demanda com forte viés ideológico em relação
aos bancos. Em ano eleitoral, como é 2012, um político típico não joga trabalhador contra
banqueiro. Mas a presidente brasileira não é o que se pode chamar de um político típico”.

É o texto com as críticas mais duras ao governo federal: “Trata-se tão somente de
uma questão econômica que precisa ser muito bem explicada à população, que tem razões de
sobra para desconfiar quando o governo resolve estabelecer novas regras para o seu dinheiro.
Gato escaldado tem medo de água fria: sempre existe a possibilidade de perda”.

A “cruzada contra os juros altos” é classificada como uma aposta da presidente Dilma
Rousseff para ter sua marca nas eleições de 2014. E nomeada como uma “aposta de risco”.

Comentário

Os textos de maior destaque na cobertura das mudanças na caderneta de poupança
foram mais favoráveis ao governo federal, tanto por criticar os bancos como por trazer mais
espaço para políticos da base governista, além do dado não novo e estimado de juro real de
2,45%. As medidas poderiam ter sido mais criticadas.

A cobertura também poderia ter trazido uma análise sobre o funcionamento das novas
regras e sua eficácia. Por exemplo, o jornalista Luís Nassif em seu site apontou a necessidade
de regras que estimulassem o aumento da liquidez da poupança: “Esperava-se que o
Ministério da Fazenda sofisticasse um pouco mais nas regras da poupança. No mercado
financeiro, há alguns princípios básicos para as aplicações, em torno do trinômio segurança,
rentabilidade e liquidez. Se uma aplicação tem liquidez (isto é, pode ser sacada em intervalos
curtos) e segurança, não precisa ter rentabilidade elevada. Se tem rentabilidade, pode abrir
mão da liquidez. Se quiser rentabilidade e liquidez, abre-se mão da segurança. Como a
poupança é um investimento de alta liquidez (pode ser sacada a cada mês ou no meio do mês,
perdendo apenas a remuneração mensal), servindo de servindo de funding para

financiamentos de longo prazo, teria sido mais razoável estimular o fator liquidez. Isto é,
oferecer rentabilidade maior para aplicações de prazo mais largo. Seguir-se-ia a lógica
financeira e se estimularia a permanência maior dos depósitos, transformando-se,
efetivamente, em uma aplicação de longo prazo.”

Contudo, vale lembrar que os textos técnicos na cobertura do Valor Econômico sobre
o financiamento imobiliário e sobre os rendimentos de fundos foram bem analíticos e de boa
qualidade.

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