quarta-feira, 6 de junho de 2012

Os impasses para solucionar a dívida da Europa


(Relato de viagem ao velho continente em janeiro)

No dia 16 de janeiro de 2012 nosso grupo fez uma visita em Frankfurt na Finance Agency, um órgão privado contratado pela República Federal da Alemanha para gerir os juros dos títulos públicos alemães.
Nosso painel foi com Thomas Weinberg, o chief trader da Finance Agency. Ele é uma das pessoas que tem a imensa responsabilidade de lidar com a dívida pública da Alemanha, que é de 74,8% do PIB, ou cerca de um trilhão de euros.
A dívida dos países europeus hoje faz seus presidentes e chanceleres arrancarem os cabelos com tanta preocupação. Mesmo a Alemanha, economia mais forte da Europa e terceiro maior exportador do mundo, sofre com sua dívida alta.
Os governos de quase todos os países do mundo se financiam vendendo títulos públicos de suas dívidas, normalmente de longo prazo, 10, 20 anos. Se há muitos investidores interessados nesses títulos não há problema, a dívida é administrada e os governos não precisam oferecer taxas de juros altas.
Mas como o endividamento da Europa está enorme, países periféricos como Grécia e Portugal e até economias maiores como a Itália e Espanha precisaram subir seus juros, o que no limite pode tornar as dívidas impagáveis e trazer o temido default (calote).
A Alemanha vem sendo bem aceita pelos investidores e mantém seu triple AAA na avaliação de risco, diferente da França que foi rebaixada no começo do ano. Mesmo com essas boas condições o montante de dinheiro que a Alemanha precisa arrecadar é enorme.  Thomas Weinberg contou que apenas na quarta-feira, dia 18, a Alemanha precisaria levantar 5 bilhões de euros com a venda de títulos.
A Finance Agency tem o papel de negociar a venda dos títulos públicos alemães com os bancos e tentar baixar os juros. O que o governo quer é vender o máximo de títulos pelo maior valor possível. A venda é feita através de leilões.
Em novembro de 2011 a Alemanha já enfrentou problemas com a venda de títulos: a demanda ficou abaixo da oferta. Esses títulos ofereciam aos seus compradores uma remuneração de 1,98% ao ano.
Os governos culpam uma contaminação na zona do euro - as incertezas dos outros países sobre sua capacidade de pagamento acabam afetando o humor do investidor, que passa a desconfiar que as economias grandes vão ter sérios problemas num futuro próximo para honrar seus gastos.
E há razões para esse mau humor: a Grécia deve 138% de seu PIB e a Itália 119%. A opinião de muitos economistas é que essa situação só se resolverá em conjunto, não adianta cada país vender individualmente seus títulos públicos. A solução seria a criação de eurobonds pelo Banco Central Europeu, assim esses títulos seriam garantidos por toda a União Europeia, que em cojunto soma um PIB de mais de 14 trilhões de euros.
Mas aí o chucrute alemão azeda. Weinberg foi taxativo: a criação de eurobonds hoje é impossível. A Alemanha como maior economia do continente ficaria com o maior prejuízo para pagar os eurobonds aos investidores. Para Weinberg os eurobonds só seriam viáveis se os países além da união monetária também tivessem união fiscal, enxugando em conjunto seus gastos públicos e melhorando sua arrecadação de impostos.
O fator político torna isso um monumental desafio. Os 17 países da zona do euro e os 27 da União Europeia deveriam chegar a um acordo e tomar decisões impopulares para um ganho só de longo prazo. Weinberg também citou o fator complicador das eleições na França neste ano. E realmente em maio Nicolas Sarkozy veio a perder sua cadeira de presidente para o socialista François Hollande, político que vem se mostrando muito contrário a políticas de austeridade.
Como bom alemão Weinberg só vê resolução definitiva desse problema no longo prazo, em décadas. Mas ele deixou a frieza de lado e disse no final que só a solidariedade dos países vai tirar o continente da crise, ou seja, todos terão que ceder. O cidadão de cada país terá que se sentir também europeu do que apenas um italiano, grego, alemão, belga, inglês, francês, português, para aceitar e ajudar nas mudanças.
Alemanha sob pressão
Este artigo é escrito em junho. Desde que retornamos ao Brasil a situação do euro veio se deteriorando e tem capítulos novos quase todas as semanas. Os mais recentes: a Grécia convocou novas eleições para 17 de junho para tentar, enfim, criar um governo que administre os atuais acordos de resgate ao país e tenha ao mesmo tempo respaldo popular e político (tarefa considerada mais dura que os 12 trabalhos de Hércules) e a Espanha vive uma grave crise bancária, sendo que a pior situação está no Bankia - terceiro maior banco espanhol em ativos – o qual precisa de 19 bilhões de euros para sanar suas perdas com empréstimos imobiliários.
Há um temor no mundo de que a Grécia abandone a moeda comum para voltar ao dracma. Em tese a antiga moeda grega poderia ser desvalorizada e estimular a fraca economia do país. Na situação atual o euro tem sua política monetária controlada pelo Banco Central Europeu e por isso os gregos são obrigados a vender seus produtos e serviços com um câmbio alto, o que retira boa parte da competitividade do país. E sem estimular sua economia a Grécia fica cada vez mais sem força para vender seus títulos. Mas então por que a Grécia não diz logo adeus ao euro? As dívidas do país são tão altas que seria uma catástrofe para bancos e governos credores uma ruptura abrupta com um inevitável calote. O custo da saída da Grécia da zona do euro é estimado em 1 trilhão de euros.
A Espanha também tem uma situação frágil. O país teve déficit orçamentário de 8,5% no ano passado e mesmo assim fará um leilão de bônus do Tesouro para levantar os recursos para o pacote de socorro de 19 bilhões de euros que será concedido ao Bankia. O fundo de socorro bancário da Espanha tem hoje apenas cerca de 9 bilhões de euros e os títulos da dívida do país com vencimento em dez anos alcançaram no final de maio o pico na taxa de 6,7%, se aproximando cada vez mais do nível de 7%, patamar considerado insustentável por analistas. Cresce então a possibilidade de um pedido de socorro internacional, como ocorreu com Grécia, Portugal e Irlanda.
O grande problema é que a Espanha não é um país pequeno como esses três. Um resgate para a Grécia, com 10% do PIB de sua economia, custaria algo como 23 bilhões de euros. Já uma ajuda de longo prazo para a Espanha, segundo analistas, poderia atingir até 300 bilhões de euros, valor extremamente difícil de ser levantado porque o FMI e a União Europeia já possuem programas de ajuda em andamento para outras nações. Por tudo isso já existem movimentos na Espanha que defendem também que o país abandone o euro e retorne para a peseta.
Esses graves fatos aumentam a pressão na Alemanha e em outros países mais ricos na zona de euro, como Finlândia e Holanda, os quais vêm se posicionando contra assumir mais responsabilidades por problemas financeiros dos parceiros mais fracos. Nos últimos meses grandes forças da Europa e do mundo passaram a defender os eurobonds e mais integração dos bancos.
O líder da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, o português José Manuel Barroso, pediu que os 17 países do euro façam uma união bancária para permitir que seu fundo de resgate, o Mecanismo Europeu de Estabilidade, empreste diretamente a bancos vulneráveis - em vez de obrigar o país de origem da instituição a negociar um pacote de socorro, ação que pioraria mais as finanças do país. A Comissão Europeia defende também um fundo pan-europeu de garantia de depósitos. Vale citar que paralelo a essas demandas o órgão executivo também foi duro com os países ao recomendar que os 27 da União Europeia diminuam seus déficits orçamentários para 3% do PIB, tarefa dificílima para a maioria das nações.
Outra pressão para mudanças vem do próprio Banco Central Europeu. Seu presidente Mario Draghi pediu uma autoridade mais centralizada para supervisionar os bancos com problemas, como o espanhol Bankia e o Dexia na Bélgica. Atualmente, a maioria dos poderes para regular os bancos está com as autoridades nacionais; o regulador regional existente na União Europeia, a Autoridade Bancária Europeia, possui poderes limitados.
Já a defesa dos eurobonds está vindo de líderes como o primeiro-ministro da Itália Mario Monti, do presidente francês François Hollande e recentemente do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. Em entrevista ao “The Wall Street Journal” o norte-americano argumentou que o continente europeu terá um longo caminho de incertezas por causa de fatores como a redução lenta da dívida e a volatilidade nos preços do petróleo e de outras commodities. Nesse cenário a emissão de algum tipo de títulos da zona do euro daria apoio a países mais fragilizados e acalmaria os mercados. “Seria um erro voltar ao tipo de estímulo de 2008, que foi de infraestrutura pesada, farra de investimentos e ampliação do crédito”, acrescentou.
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, se manifestou pela primeira vez favorável aos eurobonds em maio, mas com ressalvas. Ela quer essa alternativa apenas para países que precisam de investimentos urgentes de infraestrutura e ainda condicionou essa opção a um pacto fiscal entre os países.
O novo pacto fiscal foi aprovado no final de janeiro, pouco depois de nosso grupo retornar para o Brasil, em uma cúpula dos países da União Européia. Seu objetivo é garantir que a zona do euro seja um sistema de moeda estável. O tratado introduz regras mais duras de disciplina fiscal e força os países a adotar políticas econômicas coordenadas. Também busca melhorar o modo como as nações lidam com a zona do euro, fortalecendo o sistema de governança. Porém, o pacto fiscal precisa ser ratificado por cada país em separado. Durante a cúpula em janeiro, o Reino Unido e a República Checa foram os únicos entre os 27 países do bloco europeu que não assinaram o tratado fiscal. Esse documento precisa ser aprovado por 12 dos 17 países da zona do euro para entrar em vigor.
Há muita pressão contrária na Europa contra a aprovação do pacto fiscal, como na França e Irlanda (este último só aprovou o pacto através de um referendo). E até na Alemanha, de novo, Angela Merkel mostrou sinais de recuo para conseguir aprovar o pacto fiscal. Para conseguir o apoio da oposição social-democrata e dos verdes ela anunciou em junho um pacote de medidas para fomentar o crescimento econômico e a criação de emprego na União Europeia. Merkel sugere em seu plano medidas como o aumento de 10 bilhões de euros do capital do Banco Europeu de Investimentos e de 15 bilhões de euros de sua capacidade de crédito anual, e apoiou também o plano da Comissão da UE de utilizar uma grande parte de seu orçamento, cerca de 7,3 bilhões de euros, na luta contra o desemprego juvenil e a usar meios do Fundo Social Europeu para a formação profissional nos países em crise.
Já o Banco Central Europeu tem dado declarações mais moderadas de mudança. Em junho o membro do Conselho Executivo do BCE  Joerg Asmussen afirmou que o pacto fiscal da Europa não deve ser renegociado nem suavizado, mas pode ser complementado com medidas para aumentar o crescimento.
Como se vê num continente com vários países com situação econômica, líderes políticos e histórias tão diferentes, as mudanças, mesmo que sejam para tentar o melhor, são lentas. Foi algo que durante nossa viagem a diretora-geral de comunicação da Comissão Europeia, a portuguesa Margarida Marques, nos falou em Bruxelas no dia 20 de janeiro.
Ela explicou que os mercados têm atacado com mais pressa a União Europeia do que a velocidade das ações implementadas para diminuir a crise. O pacto fiscal, nas palavras dela, deve trazer "mecanismos para o euro funcionar melhor de acordo com o mercado".
A homogeneização fiscal na Europa sempre foi um tabu e causou briga entre os países, já que nem todos têm bala na agulha ou lideranças políticas menos populistas para cortar gastos. O que está sendo sugerido é uma taxa máxima de déficit público em relação ao PIB de 3%, mas progressiva de acordo com cada país.
Outra importante mudança é que os países passariam a apresentar seus Orçamentos do ano que vem no primeiro semestre do ano corrente, desse modo a Comissão Europeia poderia analisar os números e sugerir mudanças. Também estão previstas sanções no pacto fiscal, ou seja, os países que gastarem demais teriam algumas ajudas canceladas, como a dos fundos estruturais.
Sobre a crítica do primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, de que o pacto fiscal trará mais desemprego, Margarida reconheceu esse risco e disse que isso representa um grande desafio. "Construir políticas sãs e criar empregos ao mesmo tempo é nosso grande desafio para os próximos anos", disse.
Nessa viagem vimos vários europeus admitirem que esperam cerca de dez de baixo crescimento ou mesmo recessão, tudo em nome de um planejamento para arrumar as finanças do continente e evitar a inflação. Por exemplo, em Mannheim na Alemanha no ZEW (Center for European Economic Research), um dos grandes think tank de economia do continente, o pesquisador Friedrich Heinemann falou abertamente que a "recessão é parte do ajuste".
Essa obsessão também tem uma explicação histórica: houve um momento na Europa em que o descontrole da hiperinflação trouxe consequências desastrosas, na Alemanha em 1923, quando Adolf Hitler começou a surgir e depois quase destruiu todo o continente. Esse fantasma ainda está na mente dos europeus e parece também guiar a condução da atual política econômica.
Mas o agravamento da crise na Grécia e Espanha e o discurso mais moderado dos líderes europeus sugerem que a austeridade deve perder gradualmente espaço para medidas que apóiem mais crescimento e integração. Resta saber duas coisas: essas novas medidas virão a tempo e, principalmente, se vão funcionar.

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